Alvino Andrade, 59

Macuxi

Alvino Andrade da Silva faleceu em Boa Vista, aos 59 anos, dia 20 de junho de 2010. Mais uma vítima do novo coronavírus entre o povo Macuxi, foi educador e militante ativo no movimento indígena em Roraima. Nasceu na comunidade Boqueirão, região Tabaio, município de Alto Alegre. Era formado em filosofia/teologia pelo Centro de Estudos de Comportamento Humano (CENESC) em Manaus e em Sociologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Alvino participou de modo decisivo na formação de muitas outras lideranças e profissionais indígenas, contribuindo para a criação e a realização de ações afirmativas no ensino superior: lecionou na UFRR e na Universidade Estadual de Roraima (UERR); participou da proposta de criação do Instituto de Formação Superior Indígena da UFRR, INSIKIRAN; foi Assessor Especial do Reitor da UERR (de 2015 a 2017). Também coordenou o projeto E’ma Pia, plano base para ingresso de estudantes indígenas de graduação na UFRR, através do Processo Seletivo Específico para Indígenas. Além de tudo isso, participou da elaboração do Programa Território da Cidadania das Terras Indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos.

Sua morte foi lamentada em notas de pesar da Secretaria de Estado do Índio de Roraima (SEI) e do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Em seu perfil no Facebook, Gersem Baniwa escreveu:

“Definitivamente estamos vivendo uma necropolítica – política da morte. Todo dia perdemos parentes, amigos, lideranças, grandes educadores, grandes homens e seres humanos. É uma tragédia humana. Hoje perdemos outro grande educador de Roraima, Alvino Andrade da Silva Macuxi. Fomos colegas na graduação de Filosofia em Manaus. Depois, por um tempo, ele escolheu o caminho religioso, como padre. E depois seguiu a missão de educador, tendo contribuído com a criação do INSIKIRAN na Universidade Federal de Roraima, onde também coordenou, junto com a saudosa professora Maria Luiza Fernandes, o Projeto E’ma Pia, que tinha por objetivo garantir vagas para indígenas nos vários cursos da universidade, como de fato acabou acontecendo. Foi a partir desse projeto que começou a seleção específica para indígenas: PSEI/UFRR.

Que seu exemplo de educador humilde, dedicado, sábio e de muito amor ao próximo seja nossa inspiração e força para continuarmos nossa luta por direitos humanos aqui na terra. Descanse em paz amigo! De junto de nossos ancestrais olhe por nós, interceda por nós! Precisamos de muita luz, amor e fé para continuarmos vivendo, existindo, resistindo. ALVINO MACUXI: PRESENTE, SEMPRE!”

 

O antropólogo Alexandre Goulart, em comentário na nota de pesar postada na página de Facebook do CIR, deixou registrado:

“Alvino Andrade Macuxi foi propositor e aluno brilhante do primeiro curso de formação de gestores de projetos indígenas do PDPI, pelos idos de 2004-05 e liderança à frente de vários projetos de gestão territorial e ambiental das Tis Raposa Serra do Sol e São Marcos. Deixa um legado de compartilhamento de seu conhecimento e aprendizado, de luta contínua pelos direitos dos povos indígenas e de alegria e bom humor junto àqueles que puderam compartilhar de sua companhia. Mais uma perda muito triste.”

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução//Facebook

Fotos na Galeria: Reitoria Nossa Senhora Aparecida; Reprodução//Facebook de Selmar Almeida; Reprodução//Facebook; Conselho Indígena de Roraima (CIR); Reprodução//Facebook Gersem Baniwa

 

Reitoria Nossa Senhora Aparecida
https://www.facebook.com/comunidadeaparecidarr/photos/a.572667596556095/856161771540008

Conselho Indígena de Roraima (CIR)
https://www.facebook.com/conselhoindigena.cir/photos/a.733468493439743/733489863437606/?type=3

https://www.facebook.com/conselhoindigena.cir/photos/a.1082038455249410/3008483675938202/?type=3&theater

Plataforma Lattes
http://lattes.cnpq.br/5887655746681370

Gersem Baniwa
https://www.facebook.com/Gersembaniwa/photos/a.209597799771436/675586106505934/?type=3&theater

G1
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/06/21/militante-indigena-que-atuou-na-criacao-do-insikiran-e-demarcacao-da-raposa-serra-do-sol-morre-de-covid-19-em-rr.ghtml

Universidade Federal de Roraima
http://ufrr.br/ultimas-noticias/6385-nota-de-solidariedade-7

 

Colaboração: Leonor Valentino (Antropologia, Museu Nacional – Rio de Janeiro /RJ)

Meriná, 75

Macuxi

Depoimento do artivista Jaider Esbell, filho adotivo da Vó Bernal, povo Makuxi, Terra Indígena Raposa Serra do Sol -RR.

 

Meriná – Bernaldina José Pedro (1945 – 2020)


Adotar era para ela o mesmo que adorar. Ela só falava a linguagem do amor. Foi dessas que só sabem amar a ponto de dar seu lugar no mundo para alguém mais jovem experimentar o que ela tinha de sobra. Amorosa deveria ser seu nome, uma mulher que parece ter sido gerada em um favo de mel de tão doce criatura. Agradeço aos seus pais por darem a mim essa mãe, mesmo depois de bem criado, e ainda assim, poder experimentar uma outra intensidade disso que para muitos sempre fica no subjetivo, o verdadeiro amor de mãe.

Ah, ela gostava de abraçar, afagar, cuidar e especialmente cantar, sua nave para a plena extasia. Tinha aquela fé de mover montanhas e foi entre as montanhas que fez descer para o mundo as águas de suas raízes, entranhas da terra, por quem sempre lutou bravamente o berço para guardar seu corpo por merecimento.

Conseguiu a liberdade de seu povo e pode viver a paz, mesmo momentânea. A luta lhe foi generosa e ao menos por um tempo lhe deu tempo para refletir, desfrutar o silêncio antes impossível, dado ao tempo das correrias.

De tempo bem entendia e atendia os desígnios da fé e do talento nas horas mais improváveis para os simples comuns. Tomava banho, cantava, rezava e por tradição fazia esse ritual de gratidão sempre às três horas da madrugada, ou às duas, ou a uma hora, ou mesmo nem dormia como no tempo das vigílias.

O mundo grande nunca deixou de fascinar Bernaldina.  Foi também desse mundo grande que vieram os maiores sofrimentos, por tanta violência que a ganância promove. Caminhou resistente sempre serena pisando em diamantes. Sabia que os cristais eram preciosos e que Deus deixou aquilo lá para completar sua natureza. Lutou cantando. Conflitos a deixaram viúva muito cedo mas nunca desistiu de sua entrega, criar e amar cada filho com a mesma intensidade e que viessem mais e mais.

Percorreu o mundo e embora poucos mencionassem era uma artista singular. Foi merecedora de muitos dons, ou, não exatamente isso, o fato é que sabia que caminhar por aí iria lhe exigir saber as trajetórias. Assim falava um português de estratégia, sua língua mesmo era o Makuxi e o amor incondicional pela vida, pela fartura, pelo belo, pelo alegre e colorido. Gostava de dançar, tomar caxiri e dar bons conselhos.

Por ironia, foi o amor a sua casa que a fez sair da quarentena para “cuidar das coisas”.

Foi e de um certo modo não tinha certeza de nada e foi assim mesmo para sua casa nas montanhas onde esperava estar mais escondida da terrível peste que se manifestava.

Ela dizia: esses brancos já criaram outra doença e ainda ficam falando toda hora sobre isso. Por medida combativa fazia seus rituais. Resina, pimenta, ordens orais enérgicas para que o bicho do adoecimento não se aproximasse de nosso esconderijo.

Tenha quase certeza que foi por amar demais que minha mãe o contraiu. Deve ter sido dando algum abraço, ou benzendo alguma criança adoentada, ou fazendo suas honrarias de bem receber em sua comunidade aqueles que lá chegavam. Foi amando que Bernal adoeceu. Como poderia suspeitar que ao servir seu amor ao outro poderia encontrar precocemente o endereço da morte.

Então é desse amor absoluto que devemos nos lembrar sempre. Não tinha hora para ser prestativa. Ainda tinha muita força e serenidade. Os 75 anos de idade biológica não combinavam com seu espírito puro de uma criança cheia de vida. Nunca teve medo de partir, mas também achou que dessa forma não foi uma boa passagem e bota sua partida triste na conta de seu maior inimigo, o governo desastroso do Brasil atual que não faz o mínimo esforço para garantir a aplicação dos direitos aos povos indígenas para o que tanto lutou a nossa mestra. A memória de Meriná não pode ser apenas de doçura, mas de bravura, como bem fazia ao fechar o semblante diante das injustiças, quando a flor virava onça e defendia. A Liderança pura da guerreira Meriná deve inspirar a revolução, lutemos por justiça, sempre.

    

FONTES

Foto em Destaque: Jaider Esbell

Fotos da Galeria: Jaider Esbell; Jaider Esbell; Jaider Esbell; Jaider Esbell; Parmênio Citó; Patrick Trash; Marcio Lavor; Reprodução/Facebook/Vó Bernaldina (via G1); Jaider Esbell; Reprodução//Facebook de Jaider Esbell; Marcio Lavor.

G1

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/06/24/morre-vitima-do-coronavirus-vovo-bernaldina-mestra-indigena-da-cultura-macuxi-que-teve-encontro-com-o-papa-luto-universal.ghtml

The New York Time

Bernaldina José Pedro, Repository of Indigenous Culture, Dies at 75

https://www.nytimes.com/2020/08/03/obituaries/bernaldina-jose-pedro-dead-coronavirus.html

Mediação: Renan Reis (Antropologia, Iepe – Boa Vista/ RR)

Dionito José de Souza, 52

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Texto enviado pela fisioterapeuta e antropóloga Chris Barra


Dionito José de Souza, da etnia Macuxi, nasceu em 20 de junho de 1967, na Comunidade Maturuca, Região das Serras na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Faleceu vítima da Covid-19, em 15 de junho de 2020, na comunidade de São Mateus , na região das Serras da TIRSS, ele tinha 52 anos e quase chegou a completar os 53 anos.

Conheci Dionito José de Souza em fevereiro de 2015 durante o segundo encontro de parteiras, rezadores e pajés “Revivendo nossa cultura e nossa sabedoria indígena” na comunidade Maturuca, Região das Serras na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esses encontros, realizados duas vezes ao ano em diferentes comunidades da Região das Serras nos anos de 2014 a 2019, foram organizados por ele, indígena macuxi na época presidente do Conselho Local de Saúde, e por sua esposa, a indígena taurepang Edilasomara Sampaio. Segundo Dionito, esses encontros eram “para falar um pouco da medicina tradicional indígena, mas também da política dos brancos, a política do estado”. Essa era, no momento, sua luta. De um lado, fazer os indígenas, principalmente os mais jovens, entenderem seus direitos e a importância da medicina tradicional. Do outro, reivindicar dos profissionais de saúde e do DSEI Leste de Roraima, ações efetivas na articulação da medicina ocidental e os saberes tradicionais indígenas, clamando por mais qualidade na saúde indígena.

Falava sempre de um sonho maior, “um novo hospital, um hospital indígena, que vai ter pajés, parteiras, rezador, benzedor, sala de vacina, cartório, Ultra Som, RX” e de outros sonhos, alguns já iniciados, como o Centro de Produção Tamanduá para plantio e produção da medicação tradicional. Participei algumas vezes da produção de xaropes, tinturas e pomadas neste centro. Bem cedo pela manhã, as plantas eram colhidas numa horta linda e durante todo o dia, um grupo de participantes de uma ou mais comunidades produziam a medicação tradicional a ser distribuída para os 09 pólos base da região. Nesses momentos e nos momentos dos encontros foram produzidos registros sobre o conhecimento tradicional, os cadernos das Plantas Medicinais, das Rezas e das Parteiras. Muitas dessas ações só foram possíveis pela vontade e determinação incansável de Dionito e sua esposa, Edilasomara, sempre juntos nessa luta. Todo esse movimento construído por eles contribuiu efetivamente para a retomada, nos últimos anos, do setor de Medicina Tradicional do DSEI Leste de Roraima.

Dionito iniciou sua atuação na área da saúde como microscopista. Conta que aprendeu a fazer vários exames para malária e tuberculose com os Médicos sem fronteiras, mas que aprendeu também a força política “na força tarefa porque os brancos não queriam cuidar de nós”. Foi agente indígena de saúde, coordenador regional de saúde, presidente do Conselho Local de Saúde e conselheiro distrital (CONDISI).

Além de sua luta por uma saúde indígena de qualidade, sua atuação política é destacada na defesa pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e na retirada dos não indígenas da região. Foi coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR) entre os anos de 2007 e 2011. Exercia essa função no momento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, festejada com a presença do então presidente Lula em Maturuca, comunidade onde nasceu e viveu toda sua vida.

O atual coordenandor do CIR, Enock Taurepang, em uma de suas falas, destacou Dionito como um grande líder, “um exemplo para muitos jovens na luta pelo bem viver de nossas comunidades”. Com a partida de Dionito, reafirmou o compromisso de fazer o bem viver acontecer dentro das comunidades e de ter o respeito das instituições governamentais e não governamentais. “Queremos que o bem viver viva dentro de nossos territórios, nossas comunidades e nossas regiões”.

Dionito, hoje, era vice tuxaua da Região das Serras. Vivia na comunidade Maturuca com sua esposa Edilasomara e muitos dos seus 11 filhos e filhas. Nos últimos meses, participou ativamente das ações de enfretamento da pandemia Covid-19 na Região das Serras. Nem no momento de sua morte, abandonou sua luta. Aos 52 anos de idade (completaria, no dia 20 de junho, 53 anos), Dionito morreu na comunidade São Mateus sendo cuidado pelos pajés da região e com a medicina tradicional.

Nesse momento de pandemia, o modo de morrer de Dionito me fez pensar, para além da morte física, nas tantas outras mortes invisíveis do muito que faz vivo, o bem viver dentro das comunidades. Dionito morreu e foi enterrado na terra em que nasceu e pela qual lutou, morreu nas mãos dos pajés que veementemente respeitou e valorizou, morreu próximo às pessoas que muito amou. Pelo tanto que o conhecia, arrisco dizer que essa foi a sua escolha. Faltou o outro lado pelo qual também intensamente lutou: a política do estado. Como sempre, faltou planejamento, faltou eficácia das ações de saúde não indígena, faltou vontade, envolvimento e diálogo para pensar novos modos, inventar outras possibilidades.

O modo de morrer de Dionito diz de sua vida e de sua luta que não termina aqui. Como tantos outros guerreiros indígenas, foi chamado a subir aos céus e agir de outros modos, se juntar a outros vagalumes. Nas terras de Macunaima, aquele que tudo em pedra transforma, não diria só como vagalumes, mas sim cristais, incrustados nas serras do lavrado e destinados a brilhar eternamente.

FONTES

Foto em Destaque: Chris Barra

Fotos na Galeria: Emily Costa/G1 RR/Arquivo; Aldenir Wapichana (Via ISA-Sociambiental); Marcello Casal Jr./Agência Brasil (Via ISA-Sociambiental); Todas as demais fotos são de autoria de Chris Barra.

Isa-Socioambiental
https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-rio-negro/morre-dionito-jose-de-souza-macuxi-lideranca-indigena-da-raposa-serra-do-sol

G1
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/06/16/morre-lider-indigena-que-atuou-pela-demarcacao-da-raposa-serra-do-sol-em-roraima.ghtml

Facebook
https://www.facebook.com/100000233120690/posts/4230511576966571/?d=n

Texto e fotos enviados por: Chris Barra