Dace Biorebu, 77

Munduruku

Homenagem escrita po Honésio Dace Munduruku, filho de Dace Biorebu.


Dace Biorebu, como era conhecido por Arcelino Dace Munduruku em língua
portuguesa, foi um dos últimos sábios que carregava no seu acervo mnemônico, séries de conhecimentos de seus ancestrais. Os munduruku de seus contemporâneos eram indivíduos que dominavam conhecimentos de variados aspectos e entendiam por essência tudo sobre a respeito da cosmologia, são pessoas muito ligadas às crendices, nas suas concepções acreditam que o ser humano é reencarnado na figura de animais logo após a morte, esse tipo de crença é o ponto mais forte e dominante à geração do Arcelino.

Os Munduruku dessa geração são considerados últimos sábios, porque eles dominavam como dito, diversos conhecimentos que eram restritos aos mais jovens, eles adquiriram saber devido a forma como foram criados, seus pais os preparavam desde cedo para ter capacidade de aprender conforme aos moldes tradicionais.

A forma de ensinamento dos jovens munduruku daquela época era muito forte aos costumes e tradição dos ancestrais, e todos jovens eram ensinados na “Uksa”, um tipo de casa de guerreiros, onde os ensinamentos eram transmitidos oralmente pelos mais velhos aos mais novos sobre cosmologia, arte, história, e sobre diversos tipos de conhecimentos, “uksa” era o lugar exclusivo para homens, as mulheres eram proibidas a entrar e nem podiam ter acesso sob pena de castigo pelos espíritos da natureza.

Essa base de aprendizagem, que tornava os munduruku primitivos sábios em qualquer tipo de assunto relacionado à cultura, arte, forma de organização, agricultura, caça, pesca, conhecimento sobre remédios tradicionais, xamanismo, crença e assuntos de defesa etc. Assim, os munduruku que antecederam a geração atual eram sábios, mas cada um tinha sua especificidade, como exemplo disso, Arcelino tinha conhecimento sobre diversos temas, como pintura, cântico, instrumentos musicas, histórias, mas sua especialidade era artesanato e como puxador.

De acordo com suposição dos mais velhos, conforme o tempo foi passando, o povo munduruku foi mantendo contato com os “brancos”, e isso influenciou os mais jovens a não terem ligação amigável com a natureza primitiva, e assim estão praticamente perdendo essência e habilidades em resgates daqueles conhecimentos práticos que os mais antigos possuíam, com se não bastasse, ultimamente o povo munduruku está perdendo os valiosos sábios por conta da epidemia que veio assolar de forma desastrosa nas aldeias do Médio Tapajós e no Alto Tapajós, bem como em diversas regiões do Brasil.

Arcelino, nasceu no dia 20 de julho de 1942, na região do Rio Cururu, filho de Timóteo Dace Munduruku e Celina Saw Munduruku, eram uns dos últimos Munduruku que ainda habitavam região de savana, o que em certo período foram atraídos pelos franciscanos a morar às margens dos rios. Como exemplo disso, a aldeia Missão Cururu, inclusive o próprio Arcelino em sua adolescência participara em convento dos Freis que se localizava na aldeia Missão Cururu, o objetivo da assistência do convento era que os jovens munduruku pudessem aprender “boas novas” do evangelho e ainda mesmo que discretamente, eles pudessem adquirir novas culturas até vistas pelos padres como decentes.

Ele pertencente ao clã “esbranquiçado”, linhagem de “Dace” que significa em português “harpia” ou “gavião-real”, espécie de maior águia da Amazônia. Seus pais, segundo seu relato quando ainda em vida, eram Munduruku que não usavam calçados, caçavam com arcos e não falavam português, usavam vestimentas tradicionais.

A saga começou para Arcelino na época em que pele de animais estava no auge entre mercadores e regatões na região da TI Mundurukânia, muitos comerciantes faziam trocas e compras desses produtos com os Munduruku. E de igual forma, extração de borracha e de caucho também estavam movimentando muito os comerciantes aventureiros.

Sua saída da região do Cururu foi motivada por esse advento comercial da época, assim ele teve seus primeiros contatos com outras aldeias localizadas durante a extensão da região do Kaburua e demais regiões da savana. Durante sua juventude ele conheceu Kaba Remug’u͂ m (In memória), que tinha por nome em português Luzia Kaba Munduruku, que era do clã “avermelhado”, que tinha como sub-clã “kaba”, denominação dado à espécie de papagaio. Com ela, Arcelino construiu família e tiveram os primeiros filhos. Nessa época, eles moraram na aldeia Kaburua. Já em meado à década de 70, o mesmo foi morar na aldeia Katon, nessa aldeia tiveram mais filhos totalizando 8 filhos, dentre os quais 5 homens e 3 mulheres.

Ainda na década de 70, Arcelino teve participação indireta na tradução da Bíblia do Novo Testamento em munduruku, denominada de “Deus ekawentup Kawen iisuat”, esse trabalho era da Missão Igreja Batista com apoio de Summer Institute of Linguistics – SIL, ainda atualmente localizada na aldeia Sai-Cinza. Sua colaboração neste trabalho evangelístico foi ajudar a traduzir termos bíblicos a partir do ponto de vista linguístico da língua munduruku.

Arcelino, era “letrado” em língua munduruku, conhecia léxicos, termos, palavreados, sinônimos, metáforas e diversos recursos linguísticos de ângulos diferentes no sentido de pronúncia e de significados. Sua colaboração, era instigar determinados termos bíblicos que tinham sentidos e significados oblíquos, pois para compreensão do munduruku, as palavras têm que ser ditas e pronunciadas de forma precisa para não causar ambiguidade.

No conhecimento de semântica munduruku, ainda que analfabeto, Arcelino era culto, em sua conversa ou quando decidia explicar algo, ele utilizava diversas palavras e frases para explicar o mesmo sentido, sempre tinha atenção em vários ângulos discursivos. Foi devido a esse talento que a Margareth (americana) o chamou para ajudar na tradução indireta da Bíblia do Novo Testamento.

Durante o trabalho, ele estivera em algumas capitais, como Belém e Cuiabá, inclusive, algumas pessoas que gostavam de brincar com ele o apelidaram por isso de “Cuiabá”, isso porque em todos seus relatos o mesmo costumava falar sobre sua viagem em Cuiabá. Em um dos relatos marcantes do mesmo, que segundo ele, na feira de Cuiabá o mesmo conheceu grupo de pessoas que tinham papo igual algumas aves, ele comparava essas pessoas com arara que também tem papo, ao invés de ter estômago.

Na década de 90, Arcelino foi um dos grandes garimpeiros que movimentou a região de Katon, muitos de seus conterrâneos e de outras regiões trabalharam com ele numa espécie de garimpo que era feito manualmente. Houve muita correria, vindas de pessoas de outros lugares em busca de ouro. O mesmo, era conhecido como explorador exímio de garimpo, havia época, principalmente após o período de broca e plantação de roça, ele saía em busca de encontrar garimpo, geralmente, quando encontrava, distribuía entre pessoas que o procuravam, isso sem exigir porcentagem.

Mas, o mesmo não levou adiante esse dom, segundo ele, isso não trazia beneficio para ele e para sua família, apesar de que havia muita gente trabalhando à sua custa, e decidiu parar, visando cuidar de sua família conforme tradição munduruku.

Desde a sua juventude, ele foi homem trabalhador, sua principal atividade era roça para suprir a família, plantava muito maniva, macaxeira, cana-de-açúcar, cará, cará-açu, batata, variadas espécies de bananas. Por onde passava, costumava plantar diversas espécies de plantas, como laranjeiras, abacateiro, cacau, açaí, manga, lima, gostava de plantar fruteiros de espécies raras e bem como remédios tradicionais.

Também foi, um dos grandes caçadores, mas diferente de seus pais, o mesmo usava espingardas, era exímio atirador com rifle 22 e cartucheira 28. Gostava de caçar pacas à noite de canoa, andava com sua inseparável esposa, ela era seu piloto na polpa da canoa. De dia caçava macacos, araras e demais caças maiores, apesar de que viveu na região escassa de caças. Ele costumava curar cachorro para ser bons caçadores de cotias e pacas, e adorava caçar com cão de dia. Conhecia como ninguém a floresta, o mato, veredas, riachos e espécies de plantas silvestres, inclusive, costumava coletar frutos silvestres.

Arcelino, sabia como pegar peixe, ao menos para alimentar a família, num lugar onde os peixes eram muito escassos. Pescava de caniço, com linha e até mesmo com tradicional uso de timbó, seu principal pescado eram aqueles peixes lisos, como mandí, mandubé, surubin, porque para ele esses peixes não tinham espinhas e assim eram alimentos apropriados para crianças. Era homem incansável, de dia trabalhava na roça, ao entardecer saía para pescar com a companhia de sua esposa. Sabia prover a necessidade, quando acabava açúcar, fazia café com garapa de cana-de-açúcar, não demonstrava moleza, mas era espécie de homem e pai tradicional à moda de seus ancestrais, rígido e exigente.

Certa vez, quando ainda tinha uns trinta anos de idade, ele quase perde um filho que ficou doente por dismitidura, inflamação de junta devido à queda. Na época, o mesmo estava num lugar que não tinha pessoas, por isso, não tinha como procurar puxadores conhecidos da época. Então, de acordo com seu relato, ele ficou desesperado ao vero estado em que seu filho se encontrava.

Assim, ao dormir, teve uma visão por meio de sonho, no qual o calango veio até ele para pedir que ele puxasse o filhote que estava morrendo de dismitidura, segundo Arcelino, ele aceitou e puxou, e logo o filhote de calango ficou sarado, então, o calango falou para o mesmo que ele era um bom puxador e lhe agradeceu. Quando acordou, segundo ele, teve ideia de puxar o filho doente lembrando o que o calango havia lhe dito num sonho, e aconteceu que deu certo, o filho moribundo ficou sarado.

Desde então, ele passou a acreditar em sonhos, Arcelino como seus ancestrais, era homem que levava a sério todos os seus sonhos, para ele, todos os sonhos tem significados, eles premeditam algo ruim e algo bom. Por isso, qualquer atividade que requer cuidado como caça, pesca, precisa ser planejada, qualquer andança no mato, precisa de cuidados redobrados, porque lá há cobras, animais peçonhentos e tocos de pequenas plantas que podem machucar.

Caso sonhar algo negativo, que premedita algo ruim, Arcelino costumava fazer um tipo de ritual ou tipo de “cura”, espécie de oração conhecidos tradicionalmente. Para desviar a cobrar, ele costumava pegar lenha acesa e passar entre as pernas, que segundo ele isso desvia a cobra do seu caminho, às vezes, ele fazia passar por entre a corda de arco que também tem efeito semelhante.

Ele era o grande conhecedor de plantas medicinais, na época não havia praticamente o acesso aos medicamentos da medicina ocidental. Então, muitas doenças comuns eram tratadas com medicamentos tradicionais, tais como gripe, diarreia, coceiras, febre, inflamação e entre outras. E da mesma forma, ele conhecia muito bem, os remédios que servia para tratar diversos tipos de problemas patológicos em crianças, como hemorroida e outras.

Sabia, fazer tratamento para crianças que tinham dificuldades em aprender a falar e andar. É comum entre munduruku a crença de que há certos alimentos que não podem ser consumidos pelos pais enquanto a criança é recém-nascida, ela pode ocorrer anomalia fisicamente ou tornar-se doente para esse tipo de problema, ele tinha conhecimento de plantas medicinais de origem vegetal e animal para tratar.

Para ele, ao redor da gente, há inúmeras criaturas malignas que podem machucar as pessoas ou até mesmo matar, segundo ele, o boto é a pior espécie de animais que tem poder sobrenatural, quando em transe ele se transforma em criatura maligna, tem semelhança entre “joropari”, criatura maligna invisível a olho nu, esse pode matar qualquer pessoa quando se cruzar num caminho, que geralmente anda nas altas horas da noite, geralmente seu ataque é fatal.

Há também, segundo Arcelino, criatura sobrenatural “axik”, espécie de espírito de criança, que costuma matar somente crianças, e por isso, há algum tipo de “remédio” de prevenção. Arcelino era exímio artesão, fazia pulseiras e colares com madeiras brutas, coco de tucumã e osso de boi. Dentre as artes, ele fazia por vezes, uma espécie de miniatura de boneco com certo tipo de madeira específica, esse era de utilidade para criança, o qual, segundo ele, podia desviar atenção de “axik” que é atraída pela criança. Por isso segundo recomendava “não ande com criança de noite no meio do caminho e nem fique passeando nas casas alheias”.

Ele não era pajé, e sim era puxador, que aos poucos foi se aprimorando até ser reconhecido como melhor puxador no Alto Tapajós. De acordo com ele, aos poucos foi perdendo habilidade devido à inveja de outros, que inclusive jogaram “kawxi” no seu braço para prejudicá-lo, deixando-o sem força. Assim, com tempo ficou sem força para puxar adultos. Mas mesmo assim, logo após desse episódio ele se tornou um grande puxador de crianças, o mesmo ajudou muitas crianças e adultos doentes a se curarem de traumas e de dismitiduras. Seu desejo era que um dos filhos aprendesse também a puxar, dentre os oito filhos, apenas um demonstrou afinidade, no caso uma filha chamada Eliana.

Na questão de conhecimento de história e lutas épicas do povo munduruku, guerras e conflitos entre outros indígenas, ele tinha um grande acervo, que é inacreditável, podia passar uma noite contando histórias, não acabava seu repertório. Conhecia muitas palavras antigas que geração de hoje não reconhece. Sabia e reconhecia vários alimentos e iguarias dos tempos remotos. Sabia contar seu sonho por detalhes no dia seguinte, isso porque, segundo ele, não bebia água do fundo do igarapé, ele respeitava tudo que seus pais o aconselhava.

Todos os filhos cresceram “curados” com tipo de remédio tradicional, porque seu desejo maior era de que eles fossem alguém na vida, nos estudos, ele queria muito que seus filhos aprendessem a falar português e saber de algo importante, segundo sua visão. Ele queria que alguém aprendesse a tocar instrumento, e assim comprou uma vez um violão, pois desejava que seu filho se tornasse um músico.

Arcelino saiu da aldeia Katon no final do primeiro semestre de 1996. Isso, porque sua esposa havia sido diagnosticada com tuberculose e precisava urgente de tratamento e, naquela ocasião, o município de Jacareacanga não tinha suporte para esse tipo de tratamento. Assim ele ficou algum tempo em Sai-Cinza, onde no primeiro momento recorreu aos pajés, conforme agravação do caso, foi para Jacareacanga e de lá decidiu de vez ir para cidade de Itaituba-PA. Vendeu sua espingarda calibre 22 que tinha para custear sua passagem, assim, em 1999, ele chegou em Itaituba, onde passou alguns dias morando no bairro da Liberdade na casa da parente de sua esposa, a saudosa Iporo Buyat’um, e logo após indo para Pimental onde na época morava sua filha Diana.

Como na comunidade de Pimental não tinha lugar suficiente para seu plantio, ele resolveu morar por um tempo numa comunidade chamada de Parana Mirin, no sítio da saudosa Iporo Buyat’um passou quase um ano, e como não deu certo também, em 2001, ele procurou lugar na aldeia Praia do Mangue, onde morava seu cunhado João Kaba. Passado alguns dias, Amancio Ikon (in memoria) concedeu lugar para ele morar na aldeia Praia do Mangue. Então, o mesmo começou a fazer roça, que logo mais tarde tornaria um espaço onde seus familiares logo depois da chegada também vieram para morar.

No inicio, Arcelino plantou inúmeros pés de plantas, mas a maioria não deu certo, só ficaram as plantas comuns. Construiu lar, os filhos cresceram, casaram-se, e aumentaram os netos, e hoje o pequeno espaço que fica na aldeia Praia do Mangue, tem o suor e o trabalho do homem humilde e trabalhador.

Logo que as pessoas começaram a ter conhecimento a respeito dele no Médio Tapajós, ele ficou conhecido e reconhecido como um dos melhores puxadores e artesão. Ele ajudou muita gente, quando ainda estava sadio no sentido de saúde, muitas pessoas o procuravam, tanto indígenas, quanto brancos, pessoas dismitidas, pernas, costas, braços machucados ou das vezes quebrados. E da mesma forma, ele era muito procurado pelos turistas devido a seu artesanato, Arcelino fazia pulseiras e colares muito lindos, e isso fez com que ele ficasse conhecido no Médio Tapajós.

Ele foi homem bastante trabalhador, só parou de trabalhar na roça logo que sua esposa faleceu em 2017. No início de maio, ele iniciou complicações do problema de saúde, que era cálculo biliar, conhecido como pedra na vesícula, durante crises foi levado para emergência do hospital de Itaituba-PA três vezes, provavelmente durante essas idas, o mesmo foi infectado pelo covid-19, inclusive, antes do seu falecimento testou positivo para Covid-19.

Arcelino Dace Munduruku, faleceu no dia 03 de junho de 2020 pela manhã, levando o legado adquirido durante sua trajetória em vida que ninguém e nem seus filhos herdaram. Mas, o seu legado deixado é o exemplo de homem humilde, trabalhador e honesto, e isso pelo menos são qualidades mais fáceis que serão lembradas eternamente.

FONTES

Foto em Destaque: Honésio Dace Munduruku 

Fotos da Galeria: Honésio Dace Munduruku 

 

Mediação: Luciana França (Antropologia, UFOPA – Santarém/ PA)

Amâncio Ikõ Munduruku, 60

Munduruku

Homenagem (biografia) escrita e enviada por Arlisson Ikõ Biatpu Munduruku, filho de Amâncio Ikõ Munduruku.

 

Amâncio Ikõ Munduruku – Nome próprio em Munduruku, IkõMuywatpu, nome que em seu tempo era dado pelo pai IkõBijatpu após o nascimento, esses nomes eram nomes de grandes guerreiros que se destacavam nas guerras de nossos ancestrais. Amâncio nasceu em 03 de julho de 1960, em uma aldeia antiga de campos savanas, chamada de Ũrũbuda, abaixo da Aldeia Kaburuá, cabeceira da nascente Waodadi no Rio Kabitutu, Alto Tapajós.

A história de Amâncio começa saindo de Ũrũbuda, com o pai, mãe e irmão Tiago Ikõ Munduruku – IkõBajatpu, primeiro para serem batizados pelos padres na antiga Missão Velha, neste local foram batizados e receberam nomes de brancos, por meio de batistérios, ficaram ali por pouco tempo, seu pai queria que eles estudassem e pudessem aprender ler e escrever, seu pai sempre via que os brancos dominavam sobre eles, quando trabalhavam no ciclo da borracha e com ouro nos garimpos. Por não ter conhecimento, ele sempre era trapaceado e dizia a seus filhos que isso acontecia porque ele não sabia ler e escrever. Quando morou em Ũrũbuda, conheceu algumas aldeias do campo, onde existia a casa dos guerreiros, chamada de uk’ça, era uma de suas memórias mais importantes, porque era um lugar onde se transmitia conhecimentos importantes sobre a história e estratégias de resistência. As influências da borracha e ouro foram muito ruins para o povo Munduruku, meu pai dizia que isso causava muita inveja, muita discórdia e intrigas, porque também os brancos ensinavam muito o individualismo nos seus negócios e isso fazia com que muitos parentes abandonassem suas aldeias para morar em outros lugares. Mas, ele dizia que a maior vontade de seu pai, era levá-los para estudar. Nessas viagens, seus pais acabaram perdendo seus batistérios e seu pai precisava trabalhar na coleta de seringas, quando o dono do seringal perguntou o nome de meu avô, ele não sabia mais, ele só sabia seu nome de origem Munduruku. Ao pronunciá-lo, o seringueiro disse que aquele nome não era um nome bom, então decidiu dar-lhe um nome, onde passou a se chamar de Clementino de Morais, e minha avó de Maria Juliana Sirma. Essa foi uma das coisas muito tristes na história de sua família, porém foi preciso para que pudessem trabalhar nos seringais. Meu avô IkõBijatpu, decidiu descer o rio em busca de educação para seus filhos, porque ouvia dizer que Jacareacanga só oferecia até a quarta série, quando os adolescentes terminavam seus estudos, tinham que fazer novamente o mesmo ciclo, e ele não aceitava. Com o dinheiro recebido com a seringa e ouro, comprou um batelão – embarcação de médio porte, maior que uma canoa normal – e desceram o rio Tapajós, chegaram até a aldeia onde morava o tio irmão de sua mãe, Vicente Saw Munduruku, cacique da aldeia Sai Cinza, e ali permaneceram por duas semanas e voltaram a viajar.

Nessas viagens eles pararam em vários lugares e permaneceram por pouco tempo, pararam num lugar chamado Mangabal, chegaram fazer um tapiri – casa pequena cercada e coberta de palhas -, fizeram roças e permaneceram por pouco tempo nesta localidade, até chegarem em Pimental, comunidade onde sabiam que moravam parentes da mesma etnia. Por não conhecerem os canais de passagens pelas cachoeiras, seu pai decidiu ir caminhando para São Luís do Tapajós, porque ali morava um parente, Manoel Saw Munduruku, cacique falecido da aldeia Sawre Jaybu, este conhecia os canais de passagens com canoas, e então ele os ajudou a chegarem em São Luís do Tapajós, uma vila às margens do rio. Neste lugar moraram por dois meses e continuaram sua viagem, até chegarem em Itaituba em 1968, onde procuram por um parente chamado Inácio Paygo Munduruku – PaygoBamũybu, este morava próximo do lugar onde hoje é a Aldeia Praia do Índio. Com esposa e filhos, ficaram um período de curto tempo e continuaram procurando um lugar para morar, foram para a outra margem do rio, chegaram conhecer até a boca do Rio Tapacurá, voltaram e moraram próximo a uma comunidade chamada São José, fizeram um tapiri e plantaram roças, chegaram cogitar morar naquele lugar. Neste período seus pais fizeram amigos brancos e entregavam seus filhos para estudarem em Itaituba, chegaram morar com pariwat em busca de educação para seus filhos. Neste período sua mãe ficou enferma e diagnosticada com tuberculose, por isso seu pai, decidiu morar mais próximo da cidade, para tratar a saúde de sua esposa.

Ao sair de São José, eles moraram às margens do Rio Piracanã, um lugar que achavam bom para morar, porém sua mãe, numa noite tentando matar pernilongos – mosquitos –, causou um incêndio acidental e, na tentativa de salvar pelo menos as redes, queimou-se, ferindo os braços gravemente. Como aquele lugar ainda ficava distante da cidade para o tratamento de saúde, procuraram um lugar mais próximo da cidade, neste tempo a cidade possuía duas ruas somente.

Chegaram até o lugar que hoje é a Aldeia Praia do Mangue, aos poucos alguns parentes foram chegando para tratar de doenças na cidade. O pai de Amâncio agregava todos e dava-lhes um tempo para ficar, porque temia o pouco espaço que tinham para morar. Com a chegada da Funai – Fundação Nacional do Índio – o pai de Amâncio fazia cobrança para que seu povo tivesse segurança sobre a terra que morava, pois havia constantes ameaças de invasão e muitos supostos donos da terra. Porém, em articulação com a Prefeitura, obteve a segurança de ali morar, já que a terra não pertencia a ninguém, se não a eles.

A primeira esposa de Amâncio foi contra o gosto de seus pais, pois era do mesmo clã, branco, nem seus pais, nem os da sua esposa concordavam, nisto resultou a separação. Por não haver mulheres do clã vermelho mais perto, ele casou-se com uma branca – Pariwat, levou-a para aldeia e com ela teve três filhos, Arlisson, André e Adria. A morte de seu pai, foi algo que desestruturou a família, ficando somente sua mãe que mais tarde veio a falecer e seus irmãos Tiago, Marcos, Francisco e Idelita. Ao falecer o patriarca alguém deveria conduzir a aldeia, então ficou a cargo do primeiro filho Tiago Ikõ. Amâncio e seu irmão Tiago chegaram a servir o exército, seu irmão Tiago engajou no exército, enquanto Amâncio decidiu cuidar do espaço que seu pai deixou. Como Tiago prestava serviços ao exército, quase não podia administrar os serviços da aldeia, Amâncio continuou fazê-los.

Todas as manhãs, visitava as poucas famílias que residiam naquele espaço, procurava saber como estavam, o que precisavam, quais eram seus incômodos, e aconselhava-os não desistirem e tentava com a ajuda FUNAI encontrar projetos que pudessem fortalecer a aldeia em busca de melhorias. Em 1995 numa reunião com aquelas famílias, os pais falavam de suas preocupações com a educação de seus filhos, naquele tempo as escolas eram conveniadas, pagava-se uma taxa e eles com muito esforço mantinham seus filhos na escola, até começarem cobrar por uniformes, os filhos dos moradores voltavam da escola porque não podiam entrar. Amâncio procurou a FUNAI, e o CIMI – Conselho Indigenista Missionário, para alguma solução para aqueles moradores. A FUNAI e o CIMI, através de uma indigenista chamada Terezinha Vieira, começaram articular uma educação diferenciada para aldeia, foram várias reuniões, vários momentos de ideias e Amâncio sabia que também era preciso resgatar a língua Munduruku na aldeia, assim como a cultura e a escola seria o lugar onde tudo começaria.

Em 1996, a Escola Indígena IkõBijatpu era inaugurada, porém sem apoio da Prefeitura de Itaituba, os primeiros professores eram voluntários da própria aldeia, e a vida escolar dos alunos era obtida através do apoio de uma Freira que possuía uma escola num bairro carente do município, depois de muita insistência, a prefeitura reconheceu a importância daquela escola e começaram assim os projetos de educação escolar indígena.

A partir da escola, começavam-se abrir os horizontes para novas conquistas, e ao participar de uma audiência em Santarém, sobre os grandes projetos para bacia do tapajós, um vereador de Itaituba, disse em sua fala que não havia índios em Itaituba, isso porque, estes deveriam ser consultados, isso despertou em Amâncio que para os brancos, ser índio, era está organizado no formato deles, então iniciava-se um novo projeto jurídico, que seria a fundação de uma Associação que pudesse representar os Munduruku que moravam nesta região, começaram procurar os parentes mais próximos para discutir esse projeto, eram eles, parentes de pimental, Aldeia Sawre (km 43), São Luís do Tapajós e Aldeia Praia do Índio e com ajuda da Funai e CIMI, conseguiram fundar em 1998 a Associação Indígena Pariri, que se traduz num enxame de abelhas. Amâncio foi o primeiro presidente da Associação, ao mesmo tempo, também organizava-se como primeiro presidente distrital de Saúde Indígena, junto ao DSEI RIO TAPAJÓS. Atuou por 8 anos à frente da Associação de 1998 a 2006, atuou como presidente do CONDISI – Conselho Distrital de Saúde Indígena de 2000 a 2005.

Amâncio participou de inúmeros eventos sobre Educação Escolar Indígena, foi por muito tempo delegado nato representando a Educação Escolar Indígena a nível municipal, estadual e Nacional, também participou de Conferências Nacionais de Saúde Indígena e de afirmação da cultura para os povos indígenas. Amâncio não gostava que lhe chamassem de índio, quando perguntavam a ele o porquê, ele dizia que era Munduruku. Sempre participava de todas as Assembleias dos Munduruku do Médio Tapajós e incentivou o Cacique Juarez Saw Munduruku a sair da comunidade de Pimental para voltar ao território ancestral de nosso povo, onde marcam a história dos porcos de KaroSakaibu, Território hoje conhecido como Sawre Muuybu e Daje Kapa Eiipi.

Amâncio lutava na justiça pela mudança de seu nome e de seus irmãos, filhos e sobrinhos, sempre em reuniões com Juízes, Promotores e representantes de governo, colocava em pauta esse assunto, porque não aceitava o nome que carregava e que por muito insistir, conseguiu mover uma ação com apoio da Funai e pôde mudar seu nome para identidade cultural e também de outros parentes que sofriam com a mesma situação.

Esse grande líder ausentou-se das lutas por um período, por ter sofrido um grave acidente na cidade em 2010, onde teve graves fraturas na clavícula, rosto e pernas, anteriormente já sofria de problemas na coluna, e tudo isso fez com que se ausentasse dos movimentos de luta, mas sempre estava nos bastidores, como ele dizia, aconselhando e incentivando as lutas. Também esteve ausente quando sua esposa adoeceu por complicações de diabetes, e este acompanhava-a durante o tratamento até o dia de sua morte. Ele também, foi quem incentivou muitos jovens a conhecerem as lutas de perto, dando-lhes oportunidades para conhecerem outros povos e entidades que atuavam na formação de lideranças jovens para continuação das lutas dos povos indígenas. E preparou muitas lideranças jovens para atuarem e darem continuidade nos projetos da Associação e das comunidades indígenas.

 Atuou como professor itinerante nas turmas do Ibaorebu, projeto de formação integrada em ensino médio e técnico, onde destacava-se as seguintes áreas: Magistério Indígena, Técnico em Enfermagem e Técnico em Agroecologia, que acontecia na Aldeia Sai Cinza, e era Coordenado pela FUNAI, onde também formou-se, Técnico em Agroecologia. Amâncio enxergava o Ibaorebu como a resposta para formação intelecto cultural de seu povo e sonhava poder ver novas formações dentro do território Munduruku, inclusive a nível superior com modelos interculturais.

Em 2016, este líder começava voltar ao movimento indígena, sempre sorridente, alegre, calmo, manso, era assim que todos o conheciam, casou-se novamente em 2018, com a Professora Claudeth Saw Munduruku, onde ambos de luta, começavam sonhar novamente projetos de vida para suas aldeias, ele aos poucos estava retornando as atividades na aldeia, promovendo reuniões, aconselhando e sempre muito preocupado com o caminhar da luta pela demarcação e homologação de terras, projetos de educação diferenciada e assistência à saúde indígena no território, incentivando pesquisas sobre os resultados de mercúrio no sangue dos Munduruku, entre outros fatores que perturbam o território indígena. Na Aldeia Praia do Mangue, lidava constantemente com ameaças de invasão a terra, com invasores que entram escondido na terra para uso de drogas, captura de pássaros em gaiolas e intrusos que querem usar a terra para fazer o mal.

Em 2020, no início do ano, Amâncio foi acometido por uma pneumonia, e realizou tratamento sendo acompanhado pela equipe de saúde na própria aldeia, encerrou o tratamento e estava preocupado com ameaça do novo COVID-19 nas aldeias, chamou seus irmãos para uma reunião, onde delegava funções para que houvesse maior empenho a respeito da área conquistada por seu pai, falou do fortalecimento da unidade e compromisso de todos com aldeia e a preservação de espaços separados para manutenção da floresta existente, Amâncio não entendia o mato como lixo, entendia como vida, como forma de preservação do solo. Sempre estava preocupado com a organização da aldeia e, na medida do possível, estava apoiando os projetos da associação e outras comunidades.

Certa vez, sem entender, perguntei a ele por que não fazíamos uma cerca para proteger nossas criações, ele me disse: “filho, aldeia não tem muros! Por isso os pariwat virem se confrontando, porque eles não certeza do que possuem. Ele continuou dizendo, aqui na aldeia, cada um sabe o que cria, o que planta, todos devem respeitar o espaço dos outros, não precisamos de muros para saber o que temos.

Era sábio ao se manifestar, sempre sabia o que falar, se preparava muito para enfrentar diversas situações, porém em 16 de maio de 2020, começou sentir febre e dores no corpo, sem saber o que acontecia, mandou chamar seu tio João Korap, outro puxador da aldeia, para pôr seus ossos no lugar, mas a febre não o deixava, preocupada sua esposa alertou a equipe de saúde sobre a situação, e eles obedecendo o protocolo da SESAI sobre como agir diante da suspeita de COVID-19, aguardavam 9 dias, até fazer o teste para melhor avaliação. A família estava muito preocupada e sempre estava cobrando da equipe melhor acompanhamento.

No dia 24 de maio, a esposa de Amâncio, ligou para seu filho mais velho, informando que este deveria levar seu pai a emergência, pois os medicamentos que ele tomava, não apresentavam melhoras, a equipe foi acionada, e foi levado em ambulância para UPA de Itaituba, e ficou internado até o dia 29 de maio. Pela manhã foi visitado por seu filho mais velho, que também já buscava apoio com amigos e parceiros da associação para retirada de seu pai, tendo em vista o médico ter falado que este já precisava de UTI. O Município de Itaituba aguardava leito de UTI em Santarém, enquanto isso o quadro de Amâncio se agrava mais ainda, e por meio da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e pressão do Ministério Público Federal, o Estado assegurou um leito de UTI na Capital do Estado do Pará (Belém) para o dia 30 de maio. Amâncio as 16 horas da tarde, ligou para seu filho, muito cansado e pediu que ele o levasse para casa, pois queria morrer junto de seus familiares, seu filho entrou em desespero e começou cobrar agilidade para a represente do Polo Base. Neste momento as 17h, Amâncio foi levado ao Hospital Municipal de Itaituba para ser entubado e levado ao leito de UTI na capital, porém a UTI aérea ainda não tina sido solicitada pela prefeitura de Itaituba. O mesmo foi entubado com muita dificuldade e saturando 40, segundo informação de uma médica intensivista que operava os respiradores da UTI do Hospital Municipal, esta desabafava sobre a situação do indígena, e também pelo estado dos equipamentos que não funcionavam, e ainda não havia oxigênio para que fosse entubado a tempo. Com ajuda dos médicos da UTI aérea, que vieram buscá-lo, conseguiram sedá-lo e entubar, porém não houve como ser retirado naquele mesmo dia, ficando assim para o dia 30 de maio, porque aguardava melhorar a saturação. Foi retirado para Belém as 10 horas da manhã, chegando e sendo levado ao Hospital Regional Dr. Abelardo Santos, onde continuou sedado, entubado, e veio falecer as 3 horas da madrugada do dia 02 de junho de 2020.

A morte de Amâncio Ikõ Munduruku, foi um choque para todas as comunidades do médio e alto tapajós, porque ele trazia consigo, muita vida. Até hoje, as comunidades choram a perda desse grande líder.

FONTES

Foto em Destaque: Izabel Gobbi (FUNAI)
Fotos na Galeria: Via página “Os Brasis e suas Memórias”; Izabel Gobbi (FUNAI)

Este relato também foi publicado pelo projeto “Os Brasis e suas Memórias”
 https://osbrasisesuasmemorias.com.br/amancio-iko-munduruku-ikomuywatpu/

Sobre o Amâncio Ikõ Munduruku, há também este tributo feito pelo pessoal do  Neepes/Fiocruz.
https://www.youtube.com/watch?v=bNFGkugCJbQ&feature=youtu.be&fbclid=IwAR0r2rHp8Dn3EwDfwZapHX06tieyNQWRk7WdBwVeQ-jsOOjJXsHoUMQ-Zrc


Homenagem (biografia) escrita e enviada por Arlisson Ikõ Biatpu Munduruku, filho de Amâncio Ikõ Munduruku.

Mediação: Luciana França (Antropologia, UFOPA – Santarém/ PA) e Izabel Gobbi (FUNAI)

Bepkororoti Paiakan, 67

Kayapó

Homenagem da COIAB e dos povos indígenas da Amazônia brasileira para o líder Bepkororoti Payakan Kayapó.

(17, Junho, 2020)


Partiu nesta manhã o grande líder Kayapó Bepkororoti, mais conhecido como Paulinho Payakan. Mais uma vida levada pela Covid-19! Para os povos indígenas, em especial os Kayapó, mais uma enciclopédia de conhecimento tradicional que se vai! Para nós, do movimento indígena, mais um companheiro de luta e liderança de referência que nos deixa!

Payakan saiu ainda jovem de sua aldeia e passou um tempo trabalhando com a Funai e conhecendo cidades e a vida fora da Terra Indígena, como estratégia para “pesquisar o mundo dos kuben (não-indígenas)”, como gostava de dizer. Quando retornou ao seu território, já como uma jovem liderança, teve participação fundamental em vários processos de luta do seu povo, inclusive na demarcação da Terra Indígena Kayapó nos anos 1980.

Payakan participou nas discussões da Assembleia Constituinte que asseguraram a inclusão dos Artigos 231 e 232 na Constituição Federal de 1988, tão importantes para os povos indígenas no Brasil. Inteligente, ótimo orador e grande estrategista, sua voz em defesa dos povos indígenas foi bem longe, no Brasil e no mundo, em várias viagens internacionais, divulgou a luta indígena, buscou parceiros e fez inúmeras denúncias.

Payakan também foi um grande defensor do meio ambiente, tendo papel chave na articulação dos povos indígenas com a temática ambiental e do desenvolvimento sustentável. Foi uma referência internacional para o assunto. Entre as várias homenagens, foi capa da importante revista Parade (Washington Post) com o título “O homem que poderia salvar o mundo”. Payakan nunca deixou de usar sua inteligência e voz para lutar pelos povos indígenas. Sempre foi atuante na sua região, nos assuntos relacionadas aos Kayapó. Em 2016, foi eleito Presidente da FEPIPA, pois estava engajado na luta dos povos do Pará, e com frequência em Brasília em diversos movimentos, tendo presença marcante nos Acampamentos Terra Livre.

Payakan é o símbolo de uma liderança indígena! Muito ligada às suas tradições e orgulhoso da beleza da cultura Kayapó! Mas também ligado na modernidade, fazendo filmagens, tirando suas fotos e conectado com o mundo.

Da sua generosidade de compartilhar conhecimentos e sabedoria, da sua força e inteligência para a luta, mas também de sua alegria contagiante. Payakan nos deixa com muitas lembranças e inspirações! Ficaremos aqui dando continuidade as batalhas em defesa dos nossos direitos e com saudades e ótimas lembranças.

Vá em paz nosso GRANDE e INESQUECÍVEL GUERREIRO Bepkororoti Payakan!

Manaus, 17 de junho de 2020

Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)

 

Viva Paulinho Paiakan! Viva Bepkororoti!
Grande líder do povo kayapó morre por COVID-19 no Pará

Por Felipe Milanez*


Ontem o mundo indígena amanheceu de luto. Logo cedo começaram a chegar mensagens de áudio de choros, tristeza, vindas de diversas aldeias kayapó. Entre as 1209 pessoas que faleceram ontem no Brasil, das mais de 45 mil vítimas fatais da COVID19, a juventude indígena do Brasil perdeu um de seus maiores ídolos e referências. Em todos os grupos de trocas de mensagens com jovens indígenas, mensagens de tristeza profunda eram compartilhadas por indígenas que vivem do Xingu ao Acre, do Nordeste ao Mato Grosso do Sul, de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Na timeline do facebook, Instagram, twitter, de todas as mídias sociais, fotos e mais fotos com mensagens de tristeza e pesar vinda de jovens indígenas em luto, perdendo uma de suas referências, num momento devastador.

Dario Vitório Kopenawa, filho do grande xamã do povo Yanomami Davi Kopenawa, publicou no twitter: “Paulinho ajudou meu pai. Meu pai ajudou Paulinho. A luta indígena é feita de união.” O cineasta Kamikia Kisedjê, do povo Kisedjê, que vive no Xingu, fez um vídeo homenagem com algumas cenas de Paulinho Paiakan dançando e lutando no Acampamento Terra Livre, em Brasília. A Rádio Yandê publicou mensagens de pesar e luto.

O movimento indígena perdeu uma de suas principais referências e uma de suas vozes com ideias e estratégias mais sofisticadas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) publicaram um texto em homenagem, onde expressam a dor da perda de um companheiro de luta e uma referencia: “mais uma enciclopédia tradicional que se vai!”. Relatam diversas contribuições de Paiakan ao longo de sua vida para as lutas indígenas, incluindo os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, a eloquência como orador e estrategista, e que em suas viagens internacionais buscou parceiros e fez denuncias. Descrevem a sua generosidade, o saber tradicional, a paixão pela beleza da cultura kayapó, e o seu interesse pela modernidade — ele sempre andava com uma câmera e adorava tirar fotos.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), publicou homenagens, vídeos e falas de Paiakan, seguindo publicações e mensagens de todas as articulações e organizações indígenas regionais. Um vídeo emocionante da APIB registrado em um ATL, Paiakan dizia: “todos nós precisamos nos unir para termos forças para lutar. Sem nossa união, não vamos ter forças para lutar. A nossa única força é a união que precisamos. Só assim vamos ter condições de vencer qualquer governo. Sem união estamos entregando nossa luta, nossa força, nossa cultura, nossa vida, para os ruralistas, para o governo.”

A FEPIPA, Federação dos Povos Indígenas do Pará, que Paiakan ajudou a fundar e foi seu primeiro presidente, divulgou uma nota relembrando alguns dos grandes feitos guerreiros de Paiakan, como contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte (quando se chamava Karara-ô) e na demarcação da Terra Indígena Kayapó, dizendo que muitos jovens hoje se espelham na sua trajetória de vida e de luta, e que perdem o principal chefe: “seus ensinamentos sobre a importância de lutarmos  para a garantia  dos nossos territórios e a preservação  da nossa cultura, estarão para sempre em nossas memórias”.

Fundador também da Associação Floresta Protegida (AFP), que reúne dezenas de aldeias Kayapó no Pará, que prestou outra bela homenagem, “em nome de todos os funcionários e das comunidades associadas manifestamos nossa dor e os mais profundos sentimentos pela perda de nosso parente e companheiro de tantas lutas.” Contam que ele nasceu na aldeia Kubẽkrãkêj na década de 1950, filho do cacique Tchikirí, com quem fundou a aldeia A’Ukre. “Incansável na luta, dedicou sua vida para a proteção das florestas e para a garantia dos territórios e direitos dos Povos Indígenas.”

Entre os feitos, narrados nas diferentes mensagens a AFP lembra que foi um dos primeiros kayapó a aprender português e “um de seus mais dedicados diplomatas junto a seu tio Ropni, sendo reconhecido como um notório Mẽkabẽndjwỳj, mestre das palavras.” O enterro, a AFP comunicou, será realizado de acordo com os ritos funerais de seu povo, e com cuidado para evitar a infecção, na aldeia Ngômeiti. O’é, uma de suas filhas, participa da AFP, enquanto outra filha Maial Panhpunu trabalhou por anos na Secretaria Especial de Saúde Indígena e é uma brilhante pesquisadora em direitos humanos. Tania, sua terceira filha com a esposa Irekran, formou família e vinha ajudando seus pais em Redenção e na aldeia. Suas filhas seguem a luta que aprenderam com o pai e com a mãe. Numa rede social Maial postou: “ontem eu sonhei com você e você disse: ‘seja forte, não tenha medo’”.

Irekran é uma brilhante artista Kayapó, faz pinturas majestosas, desenha roupas, joias, faz artes em miçangas, e prima-irmã da grande líder tuirá, uma ativa mobilizadora das mulheres Kayapó.

Um grande pesquisador

A dor foi sentida profundamente também entre as principais instituições de pesquisas da Amazônia, na Universidade Federal do Pará, por pesquisadores e pesquisadoras do Museu Paraense Emílio Goeldi, entre redes de antropologia como a Associação Brasileira de Antropologia, e a SALSA, a Sociedade para Antropologia das Terras Baixas da América do Sul. Paiakan foi o inventor, junto de seu amigo Darrel Posey, da etnobiologia: ensinando a pensar a partir da interdisciplinariedade, como é o método Kayapó, a viver e preservar e construir a floresta Amazônica. É graças a Paiakan, portanto, que a Universidade de Oxford, no Reino Unido, uma das principais do mundo e onde Posey ensinou, conseguiu modernizar seus departamentos de pesquisas entre antropologia e biologia e desenvolver departamentos interdisciplinares para pesquisar a ecologia.

Por denunciar os interesses econômicos e as desigualdades das relações de poder nos planos de desenvolvimento da Amazônia, nos anos 1980, Paiakan também pode ser considerado um dos fundadores da ecologia política, e um dos promotores da descolonização do conhecimento — campos de pesquisa nos quais eu atuo.

Foi por mobilizar uma rede internacional de apoio contra a construção de usinas no Xingu que Paiakan foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, durante o governo Sarney. Paiakan inovou o movimento ambientalista, mudou a percepção elitista da ideia da conservação para mostrar como a vida dos povos indígenas era a vida da floresta. Foi companheiro de Chico Mendes e de Ailton Krenak na construção da Aliança dos Povos da Floresta. E revelou como os Kayapó não apenas defendiam a Amazônia e eram grandes conhecedores da biodiversidade, mas eram eles mesmo que plantavam a Amazônia, cotidianamente, pelo seu modo de vida.  É reconhecido como um ícone por grandes organizações ambientalistas.

Até mesmo o capitalismo foi influenciado por Paiakan. A construção da parceria pioneira com a Body Shop foi uma forma inovadora de se tentar produzir a partir da floresta sem esgotar os recursos naturais, com respeito às populações tradicionais. Reformar o capitalismo tem sido um desafio para evitar o colapso ecológico que o planeta vive em razão da atividade humana — para todos aqueles que acreditam em boas práticas de empresas, devem a Paiakan a maior inspiração de que o capitalismo deve e poderia mudar para ser, de alguma forma, sustentável.

Relações com a Funai

Entre servidores da Funai na ativa e aposentados e entre sertanistas, o choque foi igualmente profundo. Paiakan sempre foi considerado um dos principais articuladores e intermediadores entre as políticas públicas para os povos indígenas e os povos indígenas, entre o mundo indígena e o indigenismo. Por décadas foi um dedicado funcionário da Funai, onde ensinou a Funai a compreender os povos indígenas, e ensinou os indígenas a compreender como poderiam se relacionar com o Estado. Conheceu a violência do Estado na ditadura com a construção da Rodovia Transamazônica, acompanhou o trabalho de sertanistas como Afonso Alves da Cruz, que estava no contato com o seu grupo kayapó, os Kubẽkrãkêj (ou Kubenkrankren). Foi com o pai de Paiakan que o grande sertanista Afonsinho aprendeu a falar português, em um processo de contato com os povos kayapó no Pará liderado pelo sertanista Chico Meireles, entre os anos 1950 e 1960, em expedição que foi chefiada pelo sertanista Cícero Cavalcanti.

Afonsinho, como era conhecido, me relatou em um depoimento publicado no livro Memórias Sertanistas (Ed. Sesc, 2015):

“Os Kubenkrankren eram índios muito brabos. Recém tinham sido contatados quando eu cheguei. Eram brabos. Eles mataram muita gente no Xingu, eram índios violentos. A aldeia era grande, tinha mais de seiscentas pessoas. Kayapozão brabos, muito fortes, com rodelas de pau grandes no lábio, altos. Os seringueiros todos tinham medo deles. Quem mais massacrou seringueiros naquela região, de todos aqueles povos, devem ter sido os Kubenkrankren. Eram muito temidos. Eles também eram muito atacados. Teve um pessoal que participou do ataque que trabalhou no SPI (Serviço de Proteção aos Índios) também. Mas eles não falavam nada para os índios. Os índios também tinham arma de fogo. Porque eles matavam o seringueiro e levavam a arma do seringueiro. Então teve um funcionário do SPI que tinha sido baleado pelos Kubenkrankren. Ele tinha participado do massacre, do ataque que os seringueiros fizeram. Depois ele pediu as contas e foi embora. Não sei o ano, mas eles pegaram o caminho dos índios e foram atrás até a aldeia.”

O pai de Paiakan não somente ensinou Afonsinho a falar português, como foi fundamental para moldar seu caráter e engaja-lo na defesa dos povos indígenas. O que durou a vida inteira e, ele relatou, foi a partir da experiência entre os Kubẽkrãkêj.

A Funai deu apoio a Paiakan no período em que teve que viver um exílio dentro de seu território, sem liberdade para sair. E advogados da Funai conseguiram, em 2006, retomar a sua liberdade com a comutação da sua pena, cumprida dentro do território.

Foi nessa época que conheci Paiakan. Eu era editor da revista da Funai, Brasil Indígena, e acompanhei uma grande mobilização com mais de 200 chefes kayapó que aconteceu na aldeia Piaraçu, um movimento organizado por Raoni e Megaron para discutir como enfrentar a construção da usina de Belo Monte. Paiakan estava lá. Carregava sempre um caderno onde anotava tudo, em kayapó. Era uma das principais vozes do encontro, em um debate intenso com grandes intelectuais kayapó.

Já se desenhava um cenário diferente daquele dos anos 1980, e Paiakan havia percebido como a estratégia perversa de desenvolvimento do governo Lula iria provocar divisões entre os povos indígenas para facilitar a instalação de usinas hidrelétricas e promover a mineração. Conseguiram construir uma resistência tenaz, e a usina só foi autorizada pela Funai, em 2011, durante o governo Dilma e pelo então presidente da Funai Márcio Meira, de forma autoritária e sem a consulta prévia que os indígenas teriam direito. Antes de assinar Belo Monte, a Funai realizou uma reforma administrativa demitindo Afonsinho, Paiakan e Megaron de seus quadros, também abrindo processos administrativos contra Megaron por perseguição a suas atividades políticas.

Paulinho Paiakan era uma pessoa brilhante, generosa, e foi um grande visionário de seu tempo. Seu nome de branco, “kuben”, homenageava um pássaro do cerrado, enquanto seu nome verdadeiro, Bepkaroroti, descende de uma nobre linhagem. Bep são nomes de chefes, que ganham em um ritual. E Bepkaroroti foi uma grande entidade que existiu no mundo kayapó, um nome sagrado que trazia também grandes responsabilidades ao chefe. Os Kayapó, como diz a autodenominação Mẽbêngôkre, vieram do céu, de um outro planeta, habitar a Terra depois que um caçador encontrou um buraco de tatu e desceu por ele, sendo seguido por diversos outros. Bepkaroroti é um desses deuses que circulam por diferentes planetas — uma posição no mundo espiritual que Paiakan pode estar habitando agora.

Paiakan era um sábio e estrategista. Se sabia ser generoso, também sabia ser duro e intransigente em seus princípios. Condenava absolutamente a prática ilegal de garimpo e de extração madeireira, a qual alguns chefes kayapó resolveram aderir. Isso lhe custou caro, e havia rompido o diálogo com aldeias como Gorotire e Turedjam — inclusive com seu antigo parceiro de lutas, o chefe Kube-í, que passou a apoiar garimpo e apoiar, inclusive, Bolsonaro nas últimas eleições.

Infecção pela COVID-19 dentro da TI Kayapó

É possível que Paiakan tenha sido vítima justamente do que lutava contra. Já há circulação do novo coronavírus no território kayapó, atingindo a cada dia novas aldeias. Como amigo pessoal, vim conversando com Paiakan desde o início de março, preocupado com o risco de ser infectado, e ele era plenamente consciente do risco e buscou meios de evitar o contagio. Teve apoio de suas filhas, Tania, Oé e Maial, e sua esposa Irekran, para procurar isolamento. No final de março me escreveu dizendo: “estamos bem e isolado aqui em casa. Obrigado por sua preocupação com a saúde da minha família, você é amigo de verdade”. Ele queria ir para a aldeia, mas estava buscando recursos, ou seja, mais de 350 litros de gasolina para o barco, além de transporte até um pequeno porto.

Conseguiu, finalmente, ir para a aldeia. Protegido na floresta que amava, ele foi fazer visita a outras aldeias, como Moikarakô, onde tem parentes, e pode ser que tenha se infectado lá.

Uma das possibilidades da qual o novo coronavírus chegou até o território Kayapó foi através da invasão de garimpeiros, e a negociação com alguns indígenas que participam da prática ilegal. Posteriormente, festas nas igrejas evangélicas das aldeias, que até agora continuam com suas atividades diárias, contribuíram para a disseminação entre a população e a circulação no território. Paiakan lutou contra os garimpos e contra o etnocídio das igrejas — o que revela que a grandeza de sua luta poderia ter protegido os kayapó da pandemia.

Há também a suspeita de infecção por servidores da Sesai, que entram no território indígena sem realizar a quarentena fora da cidade, pois o governo federal não implantou os planos de contingência. O agente de saúde que estava no Moikarakô testou positivo quando saiu da aldeia, e ele pode ter sido o vetor involuntário da disseminação. Não é exagero retórico, como venho escrevendo nas últimas colunas, apontar o genocídio através do novo coronavírus.

O governo federal não tem dado as condições mínimas de trabalho aos agentes de saúde, e o coordenador da Secretaria Especial de Saúde Indígena, passou a última semana mais preocupado em disseminar fakenews contra o PL 1142, que foi aprovado no Senado nessa semana e prevê ações emergenciais de apoio a populações indígenas e quilombolas. Nos vídeos e mensagens que fez circular, parecia mais preocupado em economizar dinheiro para o governo federal tocar a politica de extermínio do que ajudar a salvar vidas indígenas. Depois, a caminho do Vale do Javari, onde indígenas do povo Kanamari acusam a Sesai de infectar diversas aldeias, ele fez um vídeo lamentando a morte de Paiakan.

O racismo anti-indígena da imprensa paulista

Se é hoje homenageado em tantos círculos no Brasil e mundo afora, há um grupo específico no Brasil que não aceita o brilho de Paiakan: a imprensa paulista. Paiakan foi vítima de um dos maiores crimes políticos da história da imprensa brasileira. É conhecida a famosa capa da revista Veja, estampando uma foto dele, com trajes tradicionais, escrita SELVAGEM. A acusação de estupro foi publicada em uma semana chave das negociações da Eco-92 no Rio de Janeiro, e visaram não somente atacar o líder indígena, mas todo o movimento ambientalista mundial. E favorecer, como historicamente a revista Veja favoreceu, a elite agrária do país.

Paiakan e sua esposa Irekran foram absolvidos em primeira instância, em 1994, do crime de lesão corporal, porém Paiakan foi condenado por estupro quatro anos depois pelo Tribunal de Justiça do Pará. Paiakan cumpriu a pena dentro da aldeia e Irekran foi considerada inimputável. Sobre o episódio, Paiakan falou abertamente para meu colega da época da Funai, Michel Blanco, em uma entrevista publicada na edição número 4 na revista Brasil Indígena, em 2006: “Eu entendi que não era acusação de estupro, e sim uma acusação política de um crime que eu realmente não cometi. Com o tempo, eu comecei a entender direitinho como o homem branco monta o esquema para prejudicar os outros.” Segundo Paiakan, o caso “teve repercussão para me desmoralizar e para desmoralizar a população indígena do Brasil. E fazer com que eu ou outro índio não lutasse pelos nossos direitos.” Como editores da revista, costumávamos publicar sempre uma entrevista de abertura da revista, a exemplo do que a Veja faz com as “páginas amarelas”, mas no caso, as vozes eram sempre destacadas lideranças indígenas em um movimento que entendíamos ser antirracista.

Esse caso foi profundamente investigado no livro “A construção de um réu – Payakã e os índios na imprensa brasileira”, de Maria José Alfaro Freire, baseado em uma pesquisa doutoral reuniu 217 matérias sobre Payakan, incluindo reportagens, artigos, editoriais, entrevistas, cartas, charges e notas publicados pelos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo  e pelas revistas Veja e Istoé, no período de junho a dezembro de 1992. De maneira geral, visavam criar consensos sobre a imagem negativa de Payakã, acionando estereótipos de violência, selvageria e canibalismo, e se caracterizaram por promover uma postura anti-indígena e a espetacularização do crime. Nesse sentido, as vozes do discurso de defesa eram “acionadas de maneira a serem deslegitimadas, através da ironia, porque estão em permanente confronto com as supostas evidências desenvolvidas na parte noticiosa” (página 232).

Segundo a autora, “a partir da versão instaurada na revista Veja, assim como no conjunto de suas linhas argumentativas, retomadas e desenvolvida pelos jornais de grande circulação nacional, observamos o acionamento de estereótipos historicamente operantes sobre as populações indígenas, como selvagem, para dar cor e sensacionalismo à narrativa do crime imputado a Payakã, tratado com parcialidade pela revista (página 223).

Como descreve o historiador José Bessa, no site Taquiprati a respeito das “duas mortes de Paulinho Payakã”, “a estratégia consistiu em elaborar uma narrativa ‘noir’, que das páginas policiais se deslocou às páginas editoriais, onde as discussões geram questionamentos sobre a legitimidade e a legalidade de privilégios que reconhecem a posse de territórios pelos povos originários.”

Como mostram as milhares de mensagens da juventude indígena nas mídias sociais, a imprensa não conseguiu destruir a imagem de Paiakan entre os povos indígenas. Mas conseguiu, de forma eficaz, aumentar o muro do racismo e do colonialismo no país, aumentar o fosso de seu ostracismo e obscurantismo, e isolar uma mente indígena brilhante e que sempre defendeu a possibilidade de um convívio respeitoso entre culturas no Brasil, do acesso de milhares de pessoas não indígena. Difamar Paiakan provocou sofrimento a sua família e ao movimento indígena, mas impediu, de forma também impactante, o Brasil de ser um país mais justo e sábio.

A grosseria e o desrespeito do jornalismo brasileiro contra os povos indígenas, sobretudo a grande imprensa paulista que é historicamente subserviente aos interesses da elite agrária, foi repetida ao longo dos anos pela Veja, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Em 1995, o atual diretor de redação da Folha, Sérgio D’Avila, publicou uma nota sobre Paiakan com o título: “o declínio do capitalista selvagem”. Apesar de Paiakan ter aceitado recebe-lo em sua aldeia após uma longa negociação, isso não impediu que o conteúdo da matéria tivesse cunho preconceituoso e difamatório, acusando-o de ter um “império de mogno e ouro”. No obituário publicado no dia da sua morte, a quarta-feira 17 de junho, a Folha de S. Paulo acusou Paiakan de ter caído no “ostracismo” depois da acusação de estupro — além de citar histórias fantasiosas escrita por um novelista espanhol para tentar reportar a dimensão de Paulinho Paiakan, dimensão esta que muitos jornalistas da imprensa paulista e em geral, infelizmente, ainda desconhecem.

A revista Veja, nos anos posteriores, publicou inúmeras reportagens produzidas com racismo contra os povos indígenas — chegou a ser interpelada seguidamente pelo movimento indígena e pelo Ministério Público Federal. Foi assim uma matéria com chamada na capa, em maio de 2010, com o título de “A Farra da Antropologia Oportunista”, onde difamava diversas lideranças indígenas como cacique Babau, dos Tupinambá, e Dada, dos Borari. Nesse caso, eu já conhecia em detalhe como a Veja havia operado contra Paiakan, que já era meu amigo e eu já estava engajado no reconhecimento dessa injustiça histórica, e critiquei em minha conta pessoal do twitter o racismo da matéria da Veja — que reagiu exigindo da National Geographic Brasil, aonde eu trabalhava como editor, a minha demissão.

A luta do futuro se inspira no passado

Muito do sofrimento que o país vive hoje sobre o governo de ideologia fascista de Bolsonaro é de responsabilidade da mesma imprensa que difamou Paulinho Paiakan. Os brancos no Brasil teimam em achar que o que acontece com os índios e os negros não irá atingi-los, como se pudessem passar livremente dos efeitos terríveis que o racismo produz na sociedade. O Brasil ganhou o governo fascista que hoje é responsável por desprezar a gravidade de uma pandemia que já matou quase 50 mil pessoas por não reconhecer a luta de indígenas e negros por um país mais justo. Entre eles, o grande Bepkaroroti. Suas palavras em defesa da ecologia já não são sem tempo de serem ouvidas e politicamente defendidas, pois o futuro será sombrio para toda a humanidade em um Planeta em emergência climática.

O Brasil perdeu um de seus maiores heróis da sua trágica história de um país colonial e racista, cujos heróis populares não estão emoldurados na parede nem em estatuas em praças. A história de Paiakan remete à historia de grandes lideres indígenas históricos como Cunhambebe, Sepé Tiaraju, Ajuricaba, e da “história que a história não conta”, como cantou a Mangueira no célebre samba de 2019, aquele que diz que “desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento”.

É no panteão da memória dos grandes lideres indígenas que lutaram contra a colonização, contra o racismo, em defesa da liberdade e da fraternidade entre povos, em defesa da natureza, daqueles que imaginaram coabitar e conviver em suas diferenças em um belo território, com uma ecologia singular, que está Paiakan. Ele viverá para sempre nas memórias das futuras gerações, se este vier a ser um pais mais justo, indígenas e não-indígenas.

*[Texto originalmente publicado na “Carta Capital”, 18/06/2020; revisto para publicação na CLACSO]

 

Leiam também esse texto de José R. Bessa Freire “As duas mortes de Paulinho Payakã”.

FONTES

Foto em Destaque: Murilo Santos (Enviada pelas filhas de Bep’kororoti Payakan)

Fotos da Galeria: Reprodução// Beto Ricardo – ISA; Beto Ricardo – ISA; Arquivo Instituto Raoni (via Amazônia Real); Adelino Mendez (em Facebook); Mídia Ninja; Ueslei Marcelino (via Reuters) ; Bruno Santos (Via Folhapress); Mídia Ninja.

Mídia Ninja // Arquivo Instituto Raoni (via Amazônia Real)
– https://amazoniareal.com.br/lideranca-indigena-historica-paulinho-paiakan-morre-vitima-de-covid-19/ 

ISA- Sociambiental
– https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/morre-paulo-paiakan-grande-lideranca-kayapo

Folhapress
– https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/06/morre-lideranca-caiapo-paulinho-paiakan-vitima-da-covid-19.shtml

Adelino Mendez
https://www.facebook.com/adelinodelucena.mendes/posts/3004618586321646

Reuters
https://br.reuters.com/article/idBRKBN23O38U-OBRTP

Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/artigo/viva-paulinho-paiakan-viva-bepkororoti/

TAQUIPRATI – Por José Ribamar Bessa Freire:  “As duas mortes de Paulinho Payakã”

http://www.taquiprati.com.br/cronica/1529-as-duas-mortes-de-paulinho-payaka

Otávio dos Santos, 68

Sateré-Mawé

Otávio dos Santos, Sateré-Mawé, faleceu no dia 16 de abril de 2020 vítima da covid-19, aos 68 anos de idade. Ele foi transferido da aldeia para o hospital na cidade de Maués, onde ficou internado por quatro dias. Otávio era a principal liderança da comunidade São Benedito, no rio Urupadi, bem próximo ao rio Marau, no município de Maués – Amazonas.

“Meu pai era uma pessoa muito simples e sábia, aprendemos muito com ele! Nos criou e educou sempre com muita luta e vencendo os desafios”, conta Flávio dos Santos, terceiro dos seis filhos de seu Otávio com dona Maria Batista, de 60 anos de idade. E segue Flávio emocionado: “Ele era uma pessoa extremamente dedicada em tudo o que fazia. Por causa de racismo sempre houve tentativas de nos expulsar de nossas terras e por isso meu pai, junto com os conselhos de meu avô Benedito Batista e com a excelente disposição do meu tio Venâncio dos Santos (ambos também falecidos), lutaram muito para nos afirmarmos aqui na região, e assim meu pai ficou muito sábio. Meu pai entendeu que era importante aprender sobre os nossos direitos e valores enquanto povos indígenas e isso foi o grande legado que deixou para a gente. Ele foi guerreiro e muito forte. Sempre trabalhou com plantação de guaraná. Meu pai sonhava em construir um barco, em instalar energia solar e internet em nossa comunidade e com a construção e manutenção de um espaço, na própria comunidade, para realização de atividades e fortalecimento da nossa cultura. Meu pai nos ensinou a lutar pela educação, pela arte, pelos conhecimentos e pelas histórias de nosso povo. Ele era excelente contando muitas histórias de caçadas e sobre como as coisas foram feitas, ensinando a tecer cestos, vassouras, tipiti, peneiras e outros objetos. Mas também contava histórias sobre a origem das plantas, do tipiti, da peneira, sobre a origem da nossa arte. Após sua morte abrimos mais a nossa visão pois ele deixou seus sonhos para a gente continuar sonhando e fazendo acontecer”.

A população Sateré-Mawé vive, em sua maioria, na Terra Indígena Andirá-Marau, situada entre os municípios de Aveiro, Maués, Barreirinha e Itaituba, na divisa entre os estados do Amazonas e Pará. Uma pequena parte dessa população vive na Terra indígena Coatá-Laranjal, junto aos Munduruku. Como muitos outros povos indígenas, também vivem em partes de seus territórios que ficaram de fora dos limites administrativos demarcados pelo estado brasileiro. Para saber mais sobre os Sateré-Mawé acesse o verbete do PIB Socioambiental no link abaixo.

FONTES

Foto em destaque: Flávio Otávio dos Santos (filho de sr.Otávio)

Fotos da galeria: Flávio Otávio dos Santos (filho de sr.Otávio) e Reprodução//Amazônia Real (Acervo CTI)

Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/grande-lideranca-satere-mawe-tuxaua-otavio-dos-santos-morre-por-covid-19-no-amazonas/ 

Colaboração: Diogo Campos (Antropologia, Iepe – Nhamundá/AM)

Ponakatú, 74

Asurini

Ponakatú ou Poangakatóa Asurini, ou ainda dona Vanda, foi a primeira de uma série de vítimas fatais da Covid-19 entre os Asurini de Trocará: ela faleceu no dia 22 de maio de 2020. Dois dias depois, morreram seu esposo (o cacique Purake), a irmã de Purake (Iranoa) e o pajé Sakamiramé. 

Esta tragédia de morte e epidemia não é nova entre os Asurini de Tocantins, mas não nos deixa de causar profunda tristeza. Ainda no final do século XIX, foi iniciada a construção de uma ferrovia que atravessou o território dos Asurini e dos Parakanã, levando doenças e perseguições. Houve revide por parte dos indígenas contra os não-indígenas, e contraofensiva armada e poderosa por parte dos invasores. Esta ferrovia, que só foi concluída em 1945, tinha por objetivo ter acesso aos ricos castanhais no entorno das atuais cidades de Marabá e Tucuruí, dentro do território indígena.

Por meio do verbete “Asurini do Tocantins” publicado na coletânea PIB/ISA escrito por Lucia Andrade da CPI/SP, sabemos que, os Asurini foram “pacificados” em 1953, depois de muita resistência. Nesta época contava-se 190 indígenas, que estabeleceram moradia perto do posto do SPI. 

Ainda segundo o levantamento do ISA, neste mesmo ano do contato, mais de 50 índios morreram de gripe e disenteria. Este período é descrito pelos Asurini como uma época onde não havia nem mesmo tempo para enterrar todos os seus mortos. A maior parte dos sobreviventes da catástrofe do contato retornou às matas ainda em 1953. Apenas um pequeno grupo permaneceu junto ao posto do SPI até 1956. Neste ano, porém, devido a desentendimentos com agentes indigenistas, esse grupo também fugiu para o interior da mata, regressando, todavia, para o posto em 1958. Já em 1962, o segundo grupo Asurini, que havia permanecido na mata, volta ao posto do SPI. Novamente, a gripe provoca uma série de mortes e os sobreviventes decidem voltar, mais uma vez, à região do Pacajá, longe das frentes de atração do homem branco.

Depois disso tudo, as ameaças à sua sobrevivência não pararam, como a construção da hidrelétrica de Tucuruí, iniciada em 1974, logo à montante do território asurini, e as obras de infraestrutura do projeto minerário Grande Carajás. 

Hoje, novamente, os Asurini do Tocantins convivem com a sombra mortífera das epidemias e da falta de assistência à saúde por parte dos invasores. O problema maior é que, agora, parece não haver mais espaço ou floresta para onde fugir!

FONTES

Foto em Destaque: Acervo do grupo de pesquisa HELRA CNPq e QUIMOHRENA CNPq
Fotos da Galeria: Acervo dos grupos de pesquisas HELRA CNPq e QUIMOHRENA CNPq; Diversidade Linguística (INDL – IPHAN/Ministério da Cidadania); Acervo dos grupos de pesquisas HELRA CNPq e QUIMOHRENA CNPq.

Diversidade Linguística (INDL – IPHAN/Ministério da Cidadania)
https://www.facebook.com/diversidadelinguistica/photos/a.598022100324557/612402838886483

Instituto Socioambiental
bit.ly/3gC5z4k

 

Sakamiramé, 93

Asurini

Sakamiramé Asurini sempre será um pajé e um dos líderes mais importantes do povo Asurini do Tocantins, que morreu de covid-19 no domingo de 24 de maio de 2020. Ele passou os últimos dias de sua vida em estado grave, numa unidade de pronto atendimento, na espera de um leito na UTI do Hospital Regional de Tucuruí (PA), mas não resistiu.

Junto com ele, foram embora outros parentes (vítimas da mesma epidemia) e boa parte da história de seu povo, sobre a qual fizemos um brevíssimo resumo neste Memorial. A linguista AnaSuelly Arruda coordenou um projeto, em parceria com Daniella Martins e Marlui Miranda (cantora, compositora e pesquisadora da cultura indígena), do qual resultou filmagens e gravação em áudio, formando um dossiê responsável por reconhecer a língua asurini como patrimônio da diversidade linguística do Brasil.

Na rede social da linguista, Marlui Miranda se expressou: “Querida Ana Suelly, Sakamiramé se foi, com ele todo o acervo da cultura Asurini. As flautas takuara! Estou muito muito triste! Ontem o ouvi cantando no Lali uma cantiga da lua!” Lamento para o qual respondeu AnaSuelly: “Marlui Miranda querida. Ontem reuni todos os materiais Asurini e vi você com eles nos filmes e nas fotos. Lindos, todos empenhados nos registros. Sakamiramé, Porakê, Poangakatoa, Luzia. Henonewára já havia falecido. Vão fazer uma falta imensa! Todo o nosso material vai ser muito útil e importante para o povo Asurini”.

Agora encantado, esperamos que os espíritos e os ensinamentos de Sakamiramé e de seu povo possam ser valorizados pelos jovens asurini, que os arquivos e filmes deixados pela equipe de AnaSuelly possam vir a circular para manter essa memória e reativá-la num futuro breve, e, assim atenuar a dor que hora circunda as pessoas e amigos dos Asurini.

 

 

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução//REPAM

Foto da Galeria: Indígenas em Luto;  Reprodução//Facebook de Nataliane Noronha ; Resistência Assurini (via Cleide Lobato de Catro); Reprodução//Facebook deTiago Malcher; Sistema Floresta.

Diário Online
http://bit.ly/2ZOh42w

Nataliane Noronha
https://www.facebook.com/photo?fbid=1568555173314397&set=pcb.1568555849980996

Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM)
http://repam.org.br/?p=4756

Resistência Assurini
https://www.facebook.com/photo/?fbid=946037435477332&set=gm.776990022445163

Tiago Malcher
https://www.facebook.com/photo?fbid=10215682873802094&set=pcb.10215682874202104

Sistema Floresta

https://www.facebook.com/sistemafloresta/photos/a.332875250059134/518596024820388/
Indígenas em Luto
https://www.facebook.com/102445398175779/photos/a.102446294842356/111397430613909/

Puraké, 67

Asurini

O cacique Puraké Asurini, habitante da aldeia Trocará (TI Trocará), localizada a 18 km da cidade de Tucuruí (PA), faleceu no dia 24 de maio de 2020 pela Covid-19. Três dias antes, Purake tinha perdido sua esposa (Ponakatu) e sua irmã (Iranoa Asurini), vitimas da mesma doença. Todos eles pertencem ao povo Asurini do Tocantins, também chamado Asuriní do Trocará, ou Akuáwa-Asuriní.

Os relatos mais antigos contam que esse povo vivia, até o início do século XX, no rio Xingu, junto com o povo Parakanã. Depois os Asurini migraram para a bacia do rio Tocantins, quando foram contados pelos funcionários do SPI em 1953. A população era estimada na época em torno de 190 pessoas, mas vários conflitos com os não-indígenas e doenças reduziram-na, em 1962, a 35 pessoas. Em 2014, segundo dados da SESAI, a população tinha voltado a crescer para 546 pessoas.

O Professor Peppe Asurini assim nos dá a triste notícia da morte do cacique Purake e sua irmã Iranoa: “Eu Waremoa Asurini, o popular professor Peppe, venho através deste informar o falecimento daqueles que em vidas se chamaram cacique Puraké Asurini e Iranoa Asurini, carinhosamente chamada de dona Luzia, ambos irmãos, ocorrido ontem entre 22:00 as 23:00 horas da noite. Seu Puraké se encontrava no HRT e dona Luzia estava internada na UPA aguardando leito. A comunidade Asurini lamenta muito dessas duas perdas imensuráveis que ficaram em nossas memórias. Uma enciclopédia viva de conhecimentos tradicionais históricos e milenares do povo Asurini que se fecha e vai para a biblioteca divina. Eu, enquanto filho do cacique Puraké Asurini, fico muito abalado e muito triste com tudo isso que está acontecendo, até porque no dia 22 perdi minha mãe, dia 23, o cacique Sakamiramé, e ontem, dia 24, perdi meu pai. Então isso é muito doloroso para mim”.

FONTES

Foto de Destaque: Reprodução Gazeta do Pará

Fotos da Galeria: Acervo do grupo de pesquisa HELRA CNPq e QUIMOHRENA CNPq; Instituto SocioAmbiental (via Museu Virtual Tucuruí); Conexão Jornalismo.

Conexão Jornalismo
http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/entrevista-exclusiva-com-o-cacique-purake,-finalmente-libertado-no-para-ouca-1-40119?fbclid=IwAR0icsnjZE_-6KFlmKqXS2iXh2pR_kkQ_KbeM1lbNdh1r26ia8jPdbWPaI8


Gazeta do Pará

https://www.facebook.com/gazetapara/photos/a.1670005579978429/2506597782985867/

Museu Virtual Tucuruí
https://bityli.com/9dPzO

Outras Fontes Utilizadas

Instituto Socioambiental: http://bit.ly/3gC5z4k

Nova Cartografia Social da Amazônia: http://bit.ly/2yPFTjG

Iranoa Asurini, 64

Asurini

No dia 24 de maio de 2020, morreu Iranoa Asurini, conhecida carinhosamente como Dona Luiza. No mesmo dia, também faleceu seu irmão, o cacique Porake. 

A linguística AnaSuelly Arruda, estudiosa da língua e cultura de vários povos indígenas, assim se manifestou numa rede social: “Os Asurini estão indo embora! Quanta dor! Meus amados amigos!” Quem são eles? Responde a uma pergunta na mensagem, AnaSuelly: “Asurini do Trocará ou Tocantins é “UM POVO INDIGENA” Tupi-Guarani que vive em uma Terra Indígena localizada à margem esquerda do Rio Tocantins, a 18 quilômetros da cidade de Tucuruí. Vivem na menor Terra Indígena do Pará e foram esmagados pela Hidroelétrica de Tucuruí. É um povo lindo, de uma história milenar riquíssima. Os velhos que estão sendo vítimas do mal da atualidade são os conhecedores do tesouro Asurini: sua cultura e sua língua.” Na mesma rede social, a amiga Pilar Valenzuela se solidariza com AnaSuelly, dizendo que sua mensagem lhe parte o coração: “Es una verdadera tragedia perder tantos hermanos Asurini. Qué tristeza. En Perú la situación también es grave. Han fallecido 60 Shipibo y vemos que el covid sigue avanzando hacia más territorios indigenas. Un abrazo fuerte. Tristísima situación”.

Por meio do verbete “Asurini do Tocantins” do PIB/ISA, escrito por Lúcia Andrade da CPI/SP, podemos saber mais sobre a Terra Indígena Trocará. Ela é atravessada em toda a sua largura pela PA-156 que divide a área em duas partes. A aldeia e o posto da Funai ficam a leste da estrada, na porção banhada pelo Rio Tocantins. A parte situada a oeste é um retângulo de matas que constituem uma das últimas florestas virgens de certa proporção na região. A TI Trocará está encravada na região do Projeto Grande Carajás, que abrange o Estado do Maranhão e partes do Pará e Tocantins. Este imenso programa de exploração minero-metalúrgica, que consiste numa série de obras de infraestrutura (como a hidrelétrica de Tucuruí e a ferrovia que liga a Serra dos Carajás à São Luís), vem provocando mudanças radicais em toda a estrutura sócio-econômica da região habitada pelos Asurini.

FONTES

Foto em Destaque: Edgar Kanaykõ (Instagram: @edgarkanayko)

Foto da Galeria: Edgar Kanaykõ (Instagram: @edgarkanayko)

Instituto Sociambiental (ISA)
http://bit.ly/3gC5z4k

COIAB
http://bit.ly/2TSb4Sx