Nelson Mutzie Rikbaktsá, 48

Rikbaktsá

Nelson Mutzie Rikbaktsá, conhecido também por Nelsinho, tinha 48 anos, filho de dona Elisa e seu Albano, era uma importante liderança Rikbaktsá. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), os Rikbaktsá vivem na bacia do rio Juruena, em três terras indígenas: TI Erikpatsa, TI Japuíra e TI do Escondido.

Nas informações do ISA, consta que na “perspectiva Rikbaktsá eles são muito mais caçadores e coletores do que agricultores, embora a agricultura e as festas rituais, a ela associadas, tenham um papel central no ritmo e organização da vida social”. Na aldeia Primavera, por exemplo, vivem do manejo sustentável de castanhas, palmito e tubérculos. Em outras aldeias da região, em roças de coivara, cultivam milho “mole”, inhame, mandioca, feijão, banana, amendoim, abóbora, arroz (ISA). Existem cerca de 33 aldeias que ficam próximas às margens dos rios Juruena, Sangue e Arinos, próximas aos municípios de Brasnorte e Juína, noroeste do estado do Mato Grosso.

Nelson Mutzie estava internado há alguns dias na UTI Covid-19, em Juína. No dia 17 de julho, devido a algumas complicações renais advindas do quadro de saúde desenvolvido pela Covid-19, ele foi transferido para o Hospital da Santa Casa, em Cuiabá (MT). Mas, infelizmente, não resistiu e faleceu na noite da última quarta-feira (22/07/2020). Desde a notícia de sua morte, dezenas de pessoas foram às redes sociais lamentar essa perda e prestar homenagem ao legado deixado por Mutzie.

Desde muito cedo, na década de 90, quando ainda era jovem, destacou-se nas lutas dos povos indígenas, pois sempre estava preocupado com a preservação e a valorização da memória, assim como envolvido na defesa da cultura Rikbaktsá. Tornou-se uma figura admirada até mesmo pelos não indígenas, como aqueles da sociedade juinense, assim como uma liderança importante para todos os povos indígenas do noroeste do Mato Grosso.

Nos últimos meses, Nelson saiu em defesa da saúde indígena local e dedicou atenção especial às novas condições sanitárias advindas da pandemia da Covid-19. Saiu em busca de auxílio junto ao governo e também pediu apoio de toda sociedade não indígena para doação de álcool em gel. Para isso fez uma parceria com o Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), a UsePrinc e a Prefeitura local. Apoiou e estimulou a produção de máscaras caseiras pela própria comunidade.

Foi uma das lideranças que atuou na construção e implementação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) no estado. Nelsinho ocupava o cargo de Assessor Indígena do Distrito Especial de Saúde Indígena de Vilhena (DSEI-Vilhena). Para além da atuação destacada no noroeste do Mato Grosso, Mutzie também apoiou outras lutas indígenas fora do Estado, como em Rondônia.

Além da sua importante contribuição na área da saúde, ele conduziu ações de vanguarda na promoção de outros direitos indígenas, como por exemplo, na inauguração, em Fevereiro de 2020, da primeira biblioteca comunitária indígena – a BibliOca. Nelsinho, ao comentar sobre esse projeto, declarou:        

“Vamos mostrar para a sociedade que o povo indígena também é cultura, também é vida. Nós preservamos, cuidamos da terra, e tudo isso que fazemos com o maior cuidado e carinho é para a sociedade. Esperamos que as pessoas tenham essa compreensão ao divulgar nossa cultura e mostrar nosso espaço.”

A BibliOca é um projeto que vem sendo idealizado desde 2017. Agora, em 2020, em parceria com alunos da escola de Arquitetura da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e com o Departamento Municipal de Cultura de Juína, construiu um acervo literário bilíngue, especializado em temas relacionados aos povos indígenas, às políticas indigenistas, às terras indígenas e ao meio ambiente – além de contar com exemplares da literatura brasileira.

Sem dúvida, Nelson Mutzie deixou um legado inestimável de luta e trabalho em prol dos Rikbaktsá, e dos demais povos indígenas.

 

A Associação Indígena de Mulheres Rikbaktsa, registrou:


A Associação Indígena de Mulheres Rikbaktsa vem por meio desta nota lamentar o falecimento de Nelson Mutzie, uma das lideranças mais atuantes do Noroeste de Mato Grosso, principal colaborador e conselheiro de nossa associação.

Nos últimos meses, Nelson trabalhou incansavelmente no combate ao novo coronavírus e infelizmente contraiu a doença, vindo a óbito neste 22 de julho de 2020.

Em sua última ligação antes de ser entubado, Nelson pediu ao enfermeiro Joás Soares que avisasse ao seu povo que ficasse na aldeia, pois a doença é silenciosa e muito agressiva. Nesta mesma ligação ele disse que confiava em Deus e por isso não tinha medo do que estava por vir.

Embora feridas e enfraquecidas, nós, mulheres Rikbaktsa não perdemos apenas um irmão, perdemos uma voz que militava pelas causas indígenas, mas iremos nos recompor e continuar a luta em nome de Nelson e demais indígenas que lutaram por um mundo mais justo.

A COVID-19 não irá silenciar sua voz, sua luta e sua história.

 

Distrito Especial de Saúde Indígena de Vilhena (DSEI-Vilhena), registrou:


A Covid-19 calou para sempre uma das vozes mais influentes entre as lideranças indígenas de Mato Grosso, Nelson Mutzie Rikbaktsá. Sempre defensor e preocupado com a preservação e valorização da memória dos povos indígenas, Nelson se tornou conhecido, querido e respeitado por todos.

A sua principal marca, que hoje deixa saudades na memória de quem o conheceu, era o empenho e dedicação a saúde dos povos indígenas”. O Nelson ajudou a construir todo o sistema de saúde, deu apoio aos povos indígenas do Noroeste de Mato Grosso, muito inteligente, mas não era de discursar, de se mostrar, ele buscava apoio!”, frisou o ex-chefe da Funai em Juína, Antonio Carlos de Aquino.

Nesta pandemia, se tornou defensor e incentivador dos protocolos de proteção contra a Covid-19, como o uso de máscara e álcool gel, por parte das comunidades. Mas, estar a frente das ações sociais e do combate a pandemia traria riscos e Nelson de defensor, passou a ser vítima da doença. Apesar da falta de sintomas, o quadro de saúde do líder indígena se agravou e Nelson veio a óbito na noite desta quarta-feira (22) em Cuiabá.

 

Márcia Gardim, advogada e amiga de Nelson, registrou:


Não há cova funda que sepulte a rasa covardia dos que lavam as mãos na tragédia da pandemia no Brasil.

Não há túmulo que oculte os frutos da valentia de um Guerreiro Rikbaktsá, dedicado à saúde de seu povo e dos demais povos irmãos.

Não há sepultura capaz de impedir que sua memória permaneça.

GRATIDÃO MEU IRMÃO. NÃO ERA PARA VOCÊ TER IDO AGORA!
LUTO E SOLIDARIEDADE AO POVO RIKBAKTSÁ!!!

 

Nancyy Limeira Filgueiras da Costa, resgistrou:


Nelsinho,

Muito pesar, mais um grande amigo que perde a luta contra esse terrível vírus. Uma referência desde a década de noventa em defesa da vida e da construção do sistema de saúde indígena. Contribuiu, incansavelmente, com a implementação da Lei Arouca, sempre com muito otimismo, gentileza e elegância.
 
Começou ainda adolescente, menino muito inteligente. Um grande homem, um guerreiro que não abandonou a luta em prol da cultura, da educação e da saúde dos povos indígenas. Meu querido parceiro de trabalho no controle social, nas conferências de saúde indígena, nas reuniões dos conselhos distritais, no planejamento estratégico participativo e na fiscalização da execução da saúde específica/especial para seus parentes. Povo que tanto defendeu e sempre lutou por ser essa uma justa causa.

Nos momentos de alegria e concretizações, melhor companhia não existia, era sempre de um genuíno cavalheirismo. Sorriso franco, olhar terno e atitudes honradas. Deixou de forma precoce um legado imensurável que será lembrado por gerações.

Descansa em paz meu líder e meu amigo querido.
Deus o acolha entre os escolhidos. Descansa em paz!

 

Fabiana Sanches, enfermeira e apoiadora da causa indígena, amiga de Nelson, registrou: 


Nelson Mutzie, foi a pessoa que mudou minha história. Há 16 anos me convidou para trabalhar com a população indígena, mal sabíamos que ali, ele estaria formando, preparando e amadurecendo uma menina para a vida. Foram momentos de muita felicidade. Hoje o meu coração dói muito, sangra por dentro pela perda e por tudo que você representa para mim e para muitas outras pessoas. Tinha uma capacidade ímpar de unir indígenas e não indígenas, mesmo em um mundo desigual e desleal para as minorias. Tinha o dom da oratória e conhecia política como ninguém. Homem de muitos amigos, trazia no sangue a garra de ser indígena Rikbaktsá. Máximo respeito e minha gratidão eterna.

E que Deus dê forças para a família, o teus pais, dona Elisa e seu Albano, e para seu irmãos. Você sempre estará na parede da minha memória.

 

Adriano Souza, secretário adjunto de cultura do município de Juína, registrou:


A COVID-19 leva embora hoje um grande líder indígena, um grande amigo e parceiro de lutas e sonhos.

To aqui, sem chão, sem palavras…

 

Txuskyá Tawá Kapinawá, publicou:


Estou muito triste em saber que um grande guerreiro que conheci na luta veio a falecer hoje, por causa desse maldito vírus que se alastra no mundo. Descansa em paz guerreiro Mutzie e que o grande espírito lhe receba de braços abertos. Meus sentimentos a toda família e que Deus estejam com vocês nessa hora tão difícil.

 

Marciano Cândido, disse:


A saúde indígena perde um grande líder, um grande ser humano. Nelson Mutzie Rikbatsá, sempre com seu jeito diplomático, carismático e firme de ser, nunca, jamais se escondia de um bom combate em defesa de seu povo. O guerreiro tombou, mas tombou combatendo! Aqueles que o conheciam, rapidamente se admiravam com tamanha força e esperança que ele nutria por dias melhores. Hoje, o povo Rikbaktsá, amigos e admiradores choram.

Obrigado, amigo, pelos ensinamentos e por sua luta.
Deixou um grande legado que jamais será esquecido.
Vá com Deus, GUERREIRO!

 

Socorro Aguiar, amiga de Nelson, falou sobre essa perda:


Hoje minha vida perdeu um pouco de alegria, pois meu grande amigo foi embora deste mundo. Não sei ainda como lidar com esta perda. Meu coração está pesado e a tristeza é enorme.Não sei o que fazer, queria conversar com meu amigo e não posso. Ergo minhas mãos para cima e peço a Deus que cuide dele a partir daqui. A saudade já se faz presente e sei que sempre irá me acompanhar. Sentirei muito sua falta, meu bom amigo. Tudo que peço é que descanse em paz. Estarei sempre orando por você.

 

Ernesta Netinha, amiga de Nelsinho, registrou:


O que nos uniu foi o amor ao nosso povo! A nossa ancestralidade. O sonho por uma sociedade justa, igualitária livre de qualquer forma de opressão, preconceito e o direito de amar quem queremos.

Hoje guardo e sigo alguns de seus ensinamentos, dentre todos, dois deles sigo fielmente. Sempre que eu precisava, ele dizia:

“Amiga, pega suas coisas e só vem, o final de semana é nosso e a tristeza aqui não faz morada”.

“Bonita, levanta a cabeça, nada e nem ninguém nos humilha mais, chega! Calça o seu salto e vamos.”Chegou a hora do até breve parente!

 

Adriano Souza, registrou:


Nelson plantou sementes fortes de esperança.Obrigado meu amigo por nunca dizer não às minhas loucuras, por nunca desistir do seu povo e por acreditar que era possível sim um futuro melhor. Seu legado ficou, sua luta também. Nós continuaremos com ela, por você!

Fica aqui uma singela homenagem de uma pequena parte dos seus amigos e familiares.

 

Ercilia Vieira, registrou:


Não me conformo com sua partida. O meu coração tá despedaçado com essa notícia. Guardarei as melhores lembranças suas dentro de mim de todos os momentos que estivemos juntos na luta pela causa indígena, pela melhoria da saúde indígena, pela valorização dos profissionais. Nossas brincadeiras eram tão forte que me faziam até chorar com aqueles beliscões surpresas que me dava. Lembrança viva das suas palavras sábias nas plenárias onde você ficava no cantinho das salas, perto das tomadas. E de lá observava tudo para se manifestar com aqueles discursos que apesar de serem raros, eram precisos e coerentes.

Obrigada pela amizade, parceria e por todo esforço prestado aos povos indígenas do Brasil. Que Deus o receba em sua eternidade e que console todos os corações que nesse momento estão igual o meu. É muito difícil de aceitar meu amigo, segurar as lágrimas é impossível, dói muito despedir de quem amamos. Onde estiver, olha pelos nossos povos, afinal, você se tornará nosso anjo protetor, tudo que você fez só provou o tamanho do seu compromisso, respeito e amor pela nossa causa.

A certeza é que o seu legado ficará na memória, na história. Essa história linda de vida, de luta que você escreveu nessa terra. Tudo valeu muito a pena.

Descanse em paz, na glória de Deus.
 
A COVID mata, fiquem em casa. Fiquem na aldeia! 
Nelson Mutzie agora é a nossa referência encantada.

 

Valéria Sampaio, registrou:


Em tempo da criação do Sindicato dos trabalhadores da Saúde Indígena e demais profissionais da saúde foi com você que falei de como poderia começar a conduzir na minha região. Nos conhecemos em Brasília, em um evento inovador. Fico triste com essa notícia, mas creio que seu lugar está repleta de boas histórias e conquistas.

Quem teve você como amigo sabe bem o coração grandioso que tinha. Partiu um ser humano incrível, mas fica as belas ações e boas lembranças.

Hilário Ab Reta Awe Predzawe, 43

Xavante

Homenagem escrita* por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.


Hilário Ab Reta Awe Predzawe, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a língua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo.

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [HOJE], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

 

*Com informações das alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

FONTES

Foto em Destaque: foto enviada por Dorany Mendes Rosa.

Fotos da Galeria: fotos da turma da pedagogia UFG, enviadas por Dorany Mendes Rosa.

Colaboração: Érica Dumont / Enfermagem e FIEI – FaE, UFMG – Belo Horizonte/MG.