Aurelia Jifichiu Kumemarima, 71

Bora

Homenagem escrita por Maria Luísa Lucas, Pós-doc DRE / Musée du quai Branly – Jacques Chirac; LARMe – Museu Nacional / UFRJ

 

Aurelia Jifichiu nasceu em 1948 e faleceu, aos 71 anos, no dia 28 de junho de 2020 vítima da Covid-19 e também do descaso dos governos com os povos indígenas na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, no alto Amazonas.

Aurelia era uma mulher Bora cuja história não deve ser esquecida. A maioria de seus ancestrais foram brutalmente mortos no começo do século XX por funcionários da Casa Arana, empresa de borracha que promoveu e financiou um dos etnocídios mais bárbaros de nossos tempos. Seu avô paterno, chefe do clã Tamanduá, foi um dos poucos sobreviventes. Escapando e se escondendo nas áreas de terra firme do rio Cahuinari, na Colômbia, ele foi fundamental para que outros chefes pudessem reconstruir suas malocas, suas roças, suas famílias e seus rituais.

Aurelia, nascida nesse mesmo rio, tornou-se órfã muito cedo. Ainda nova casou-se com um homem Muinane, com quem teve diversos filhos. Aurelia era uma mulher doce e de riso fácil. Era possível encontrá-la todos os sábados na praça da cidade de Leticia vendendo beiju e o que mais conseguisse cultivar em sua roça. Fazia visitas regulares ao aterro sanitário da cidade e orgulhava-se de encontrar verdadeiros tesouros em meio ao que os brancos descartavam. Acolhedora, convidava todos a visitar sua maloca. No km 18 do ramal que um dia foi planejado para ligar Leticia a Tarapacá (um dos muitos povoados da Amazônia Colombiana hoje esquecidos pelas autoridades), há uma placa que diz “Maloca Bora”. Meia hora de caminhada mata adentro, a beira de um pequeno córrego, Aurelia mantinha um ritmo de vida idêntico àquele de seus parentes nos territórios mais distantes. Há muitos anos separou-se de seu antigo companheiro, Aniceto, que morreu de Covid-19 há poucos dias e também é homenageado pelo site do Memorial Vagalumes. Aurelia ajudou na criação de muitos de seus netos, bisnetos e sobrinhos e sempre se orgulhava de ser uma mulher forte e independente. Assim ela será sempre lembrada.

 

“Palabras de un abuelo”, por Abuelo Raúl Yucuna

(Muinane-Bora) – via Gory Hernando Negedeka Jifichiu.

 

“Ellos se fueron
Pero dejaron rastros,
Ellos se fueron cantando
Pero dejaron el eco,
Ellos gritaban y regañaban
Pero dejaron sus enseñanzas..
Ellos están allá escuchándonos
Ellos no están muertos ellos están allá
y desde allá nos seguirán iluminandonos
para que la palabra de vida no muera,
esa palabra ahora está con sus nietos(as).”

 

Palabras escritas por Gory Hernando Negedeka Jifichiu

 

Gracias mis grandes maestros, me han dejado en este mundo con una tarea….buen viaje Padre y Madre….sus palabras está vivas y seguiremos siendo guardianes de la sabiduría.

Madre, adiós prometo seguir el trabajo que me dejaste, para alegrarte allá, cómo cuando me viste por primera vez en este mundo, acompáñame madre cada segundo de mí vida, como hiciste acá.

 

Palabras escritas por Luzma Negdk

 

Madre te fuiste al cielo cerrando tus ojitos de este mundo, por que eres un ángel de amor y bondad que nunca morirá!! Madre acompañanos aca unos de tus hijos dandonos fuerza y mucha fortalezas para seguir ese camino que nos enseñaste.

 

Palabras escritas por Patrícia Suárez

 

Y duele mucho, se hace un nudo en la garganta cada vez que alguien me llama o me escribe y me dice “se nos fue” y yo vuelvo al mismo lugar una silla que me ha sostenido por estos días en el centro de Bogotá, en donde me senté y lloré por primera vez la partida de mi hermano Camilo, después la de Yamil, la de mi amiga Edirley, la de los abuelo Aniceto, Aurelio y hoy la abuela Aurelia y me hago la misma pregunta ¿Por qué? Creo que mi pregunta nunca será respondida y que ninguna repuesta llenara los vacíos que van dejando. Se han ido unos grandes abriéndonos caminos, dejaron en nosotros lo mejor de cada uno, ahora nos toca a nosotros hacer amanecer sus palabras.

 

Homenaje de Edinho Bautista Florez

 

Hoy lamento tristemente tu partida Abuelita Aurelia. Te vas dejando tú huella en cada persona que tuvo la dicha de conocerte y compartir una sonrisa en cada encuentro en la maloca, en la chagra y en la selva. Dejas tus enseñanzas a tus hijos y nietos como una de las guardianas del conocimiento ancestral. Q.E.P.D

Buen viaje espiritual…

Todas as homenagens em espanhol foram autorizadas pelas pessoas que escreveram.

FONTES

Foto em Destaque: Edinho Bautista Florez

Fotos da Galeria: Edinho Bautista Florez; Edinho Bautista Florez; La TropiKitchen; La TropiKitchen; Bixina y Cafeína; Reprodução//Facebook de Lina Maria Payeu Lopez; Reprodução//Facebook de Lina Maria Payeu Lopez; Reprodução//Facebook de Lina Maria Payeu Lopez.

Edinho Bautista Florez
https://www.facebook.com/photo/?fbid=10222846828703190&set=a.4509142090558 

https://www.facebook.com/photo?fbid=10222846922825543&set=a.4509142090558

Bixina y Cafeína
https://www.facebook.com/bixinaycafeina/photos/a.173497240864493/173497224197828/

La TropiKitchen
https://www.facebook.com/latropikitchen/posts/709183816292632

Livro escrito também por dona Aurelia
https://lalenguaesespiritu.files.wordpress.com/2018/03/lengua-viva-bora-libro-digital-isbn-978-958-46-8297-0-ii.pdf

“Cumari: uma jornada culinária para salvar a Amazônia”, Aurelia é uma de “las abuelas” entrevistada neste vídeo.
https://vimeo.com/208216019

 

Homenagem em português escrita por Maria Luísa Lucas, Pós-doc DRE / Musée du quai Branly – Jacques Chirac; LARMe – Museu Nacional / UFRJ.

Aniceto Negedeka, 76

Muinane

Aniceto Negedeka (1946-2020) pajé do povo Muinane. Falante de muinane, sua língua paterna, e de outras línguas da família witoto como uitoto-mɨnɨka, o bora e também o espanhol. Seu nome em muiname, “Numéyɨ” ou “Nume”, significava “Coco Pequeno” sendo ele o mais velho da linhagem “Ɨjɨmɨjo” do clã “Néjegaimɨjo” (pessoas de Sombra de Coco de Cumare do clã Gente de Centro).

Seu pai e sua mãe foram sobreviventes do holocausto da borracha, terror exercido pelos seringalistas da “Casa Arana” e Nume viveu em diferentes comunidades, como La Sabana (Rio Cahuinarí), em La Chorrera e Providencia (Rio Igará-Paraná), nas comunidades de Villa Azul e Chukikɨ (Rio Caquetá) e em Leticia. Sua geração foi forçada a assistir aos internatos de missionários católicos, de diferentes denominações cristãs. Desses, lembrava se da solidão e do medo que sentia, contrapostos pelo carinho de uma freira que o cuidou de forma amorosa. Conheceu bem essas diversas tradições e chegou a se desempenhar como catequista.

O conhecimento de mitos, rituais, conselhos e detalhes cosmológicos da “Gente de Centro”, era também reconhecido nessas comunidades. Referentes a eles, Nume herdara de sua família o direito e a responsabilidade de levar a cabo os rituais de dança da guerra, chamados “Ámoka”. Rituais capazes de, dentre outras funções, identificar a maldade e as emoções destrutivas que pudessem afetar seu povo, e transformá-las em alimentos.

Para os antropólogos que trabalhamos com ele, Nume destacava-se pela doçura e bons tratos, e pela obsessão, francamente acadêmica, em escrever em muinane. Investiu anos escrevendo mitos e conselhos, convertendo-se em alguém que fazia uso prático e constante de um alfabeto desenhado pelos missionários do Instituto Linguístico de Verão (SIL), adaptado por ele às suas necessidades, às vezes com a colaboração de linguistas e antropólogos.

Em 2017 recebeu o prêmio nacional do Ministério da Cultura da Colômbia como “reconhecimento à dedicação do enriquecimento da cultura ancestral dos povos indígenas da Colômbia pelo pensamento maior”. O seu “Libro de las Aves” é um documento belo e inestimável, como são também várias publicações bilíngues muinane-espanhol. Faleceu no dia 8 de junho em Letícia, Amazonas, Colômbia, em sua Maloca, construída recentemente por seus filhos (2019), vítima da Covid-19.

 

Texto: Carlos David Londoño

Tradução: Harold Mauricio Nieto

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução// SALSA

Fotos da Galeria: Enviadas pelos filhos de Aniceto – Daianara Martinez, Gory Hernando e Luzma Negedeka; Las Aves Cuentan Consejos y Ensenanza.

Society for Anthropology of Lowland South America (SALSA)
https://www.salsa-tipiti.org/covid-19/inmemoriam/fallecio-aniceto-negedeka-mayor-de-la-etnia-feenem%c9%a8naa-muinane-6-8-20/

Colaboração: Harold Mauricio (Antropologia – Valencia/ Colombia)