Dionito José de Souza, 52

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Texto enviado pela fisioterapeuta e antropóloga Chris Barra


Dionito José de Souza, da etnia Macuxi, nasceu em 20 de junho de 1967, na Comunidade Maturuca, Região das Serras na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Faleceu vítima da Covid-19, em 15 de junho de 2020, na comunidade de São Mateus , na região das Serras da TIRSS, ele tinha 52 anos e quase chegou a completar os 53 anos.

Conheci Dionito José de Souza em fevereiro de 2015 durante o segundo encontro de parteiras, rezadores e pajés “Revivendo nossa cultura e nossa sabedoria indígena” na comunidade Maturuca, Região das Serras na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esses encontros, realizados duas vezes ao ano em diferentes comunidades da Região das Serras nos anos de 2014 a 2019, foram organizados por ele, indígena macuxi na época presidente do Conselho Local de Saúde, e por sua esposa, a indígena taurepang Edilasomara Sampaio. Segundo Dionito, esses encontros eram “para falar um pouco da medicina tradicional indígena, mas também da política dos brancos, a política do estado”. Essa era, no momento, sua luta. De um lado, fazer os indígenas, principalmente os mais jovens, entenderem seus direitos e a importância da medicina tradicional. Do outro, reivindicar dos profissionais de saúde e do DSEI Leste de Roraima, ações efetivas na articulação da medicina ocidental e os saberes tradicionais indígenas, clamando por mais qualidade na saúde indígena.

Falava sempre de um sonho maior, “um novo hospital, um hospital indígena, que vai ter pajés, parteiras, rezador, benzedor, sala de vacina, cartório, Ultra Som, RX” e de outros sonhos, alguns já iniciados, como o Centro de Produção Tamanduá para plantio e produção da medicação tradicional. Participei algumas vezes da produção de xaropes, tinturas e pomadas neste centro. Bem cedo pela manhã, as plantas eram colhidas numa horta linda e durante todo o dia, um grupo de participantes de uma ou mais comunidades produziam a medicação tradicional a ser distribuída para os 09 pólos base da região. Nesses momentos e nos momentos dos encontros foram produzidos registros sobre o conhecimento tradicional, os cadernos das Plantas Medicinais, das Rezas e das Parteiras. Muitas dessas ações só foram possíveis pela vontade e determinação incansável de Dionito e sua esposa, Edilasomara, sempre juntos nessa luta. Todo esse movimento construído por eles contribuiu efetivamente para a retomada, nos últimos anos, do setor de Medicina Tradicional do DSEI Leste de Roraima.

Dionito iniciou sua atuação na área da saúde como microscopista. Conta que aprendeu a fazer vários exames para malária e tuberculose com os Médicos sem fronteiras, mas que aprendeu também a força política “na força tarefa porque os brancos não queriam cuidar de nós”. Foi agente indígena de saúde, coordenador regional de saúde, presidente do Conselho Local de Saúde e conselheiro distrital (CONDISI).

Além de sua luta por uma saúde indígena de qualidade, sua atuação política é destacada na defesa pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e na retirada dos não indígenas da região. Foi coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR) entre os anos de 2007 e 2011. Exercia essa função no momento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, festejada com a presença do então presidente Lula em Maturuca, comunidade onde nasceu e viveu toda sua vida.

O atual coordenandor do CIR, Enock Taurepang, em uma de suas falas, destacou Dionito como um grande líder, “um exemplo para muitos jovens na luta pelo bem viver de nossas comunidades”. Com a partida de Dionito, reafirmou o compromisso de fazer o bem viver acontecer dentro das comunidades e de ter o respeito das instituições governamentais e não governamentais. “Queremos que o bem viver viva dentro de nossos territórios, nossas comunidades e nossas regiões”.

Dionito, hoje, era vice tuxaua da Região das Serras. Vivia na comunidade Maturuca com sua esposa Edilasomara e muitos dos seus 11 filhos e filhas. Nos últimos meses, participou ativamente das ações de enfretamento da pandemia Covid-19 na Região das Serras. Nem no momento de sua morte, abandonou sua luta. Aos 52 anos de idade (completaria, no dia 20 de junho, 53 anos), Dionito morreu na comunidade São Mateus sendo cuidado pelos pajés da região e com a medicina tradicional.

Nesse momento de pandemia, o modo de morrer de Dionito me fez pensar, para além da morte física, nas tantas outras mortes invisíveis do muito que faz vivo, o bem viver dentro das comunidades. Dionito morreu e foi enterrado na terra em que nasceu e pela qual lutou, morreu nas mãos dos pajés que veementemente respeitou e valorizou, morreu próximo às pessoas que muito amou. Pelo tanto que o conhecia, arrisco dizer que essa foi a sua escolha. Faltou o outro lado pelo qual também intensamente lutou: a política do estado. Como sempre, faltou planejamento, faltou eficácia das ações de saúde não indígena, faltou vontade, envolvimento e diálogo para pensar novos modos, inventar outras possibilidades.

O modo de morrer de Dionito diz de sua vida e de sua luta que não termina aqui. Como tantos outros guerreiros indígenas, foi chamado a subir aos céus e agir de outros modos, se juntar a outros vagalumes. Nas terras de Macunaima, aquele que tudo em pedra transforma, não diria só como vagalumes, mas sim cristais, incrustados nas serras do lavrado e destinados a brilhar eternamente.

FONTES

Foto em Destaque: Chris Barra

Fotos na Galeria: Emily Costa/G1 RR/Arquivo; Aldenir Wapichana (Via ISA-Sociambiental); Marcello Casal Jr./Agência Brasil (Via ISA-Sociambiental); Todas as demais fotos são de autoria de Chris Barra.

Isa-Socioambiental
https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-rio-negro/morre-dionito-jose-de-souza-macuxi-lideranca-indigena-da-raposa-serra-do-sol

G1
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/06/16/morre-lider-indigena-que-atuou-pela-demarcacao-da-raposa-serra-do-sol-em-roraima.ghtml

Facebook
https://www.facebook.com/100000233120690/posts/4230511576966571/?d=n

Texto e fotos enviados por: Chris Barra