Fausto Mandulão, 58

Macuxi

Fausto da Silva Mandulão, do povo Macuxi, morreu no dia 03 de junho de 2020 na cidade de Boa Vista, Roraima. Mandulão era da comunidade indígena do Boqueirão, região do Tabaio, município Alto Alegre, perto da capital do estado. Era servidor público federal lotado em Escola Estadual Indígena na comunidade Tabalascada, região Serra da Lua, Município de Cantá. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) lamenta a sua morte: “com trajetória marcante no movimento indígena de Roraima, o professor Fausto sempre demonstrou ser defensor dos direitos indígenas. Dentre outras lutas, participou ativamente da elaboração do protocolo de consulta da região da Serra da Lua”.

O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Rondônia, onde Fausto concluiu a graduação em 2010, define o professor como “uma referência política no movimento indígena brasileiro no campo da educação escolar indígena”. Ele contribuiu na formulação de políticas educacionais como membro da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação; foi conselheiro do Conselho Estadual de Educação de Roraima e atuante no movimento indígena no estado por meio da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR) e como um dos fundadores do Conselho de Professores Indígenas da Amazônia (COPIAM).

O artista Denilson Baniwa, assim disse sobre o amigo: “Esta semana não consegui me esquivar da notícia que o professor Fausto Macuxi se foi. É difícil saber a extensão da perda de um professor. Ainda mais professor indígena. Meu coração mais uma vez ficou do tamanho de uma noz, muita tristeza me ocupou o corpo. Mais uma vez a Covid-19 e a ineficiência do Estado levaram um mestre indígena.

O professor Fausto foi uma das pessoas que me recebeu em Manaus quando saí do Rio Negro para me juntar ao Movimento Indígena Amazônico (MIA). A primeira organização na qual me colocaram foi o COPIAM, onde Fausto era um dos coordenadores. Com ele aprendi muito. Foi um tutor no MIA para mim. Estivemos em ações tensas e em reuniões densas; mas também em vários momentos alegres. Às vezes até jogando sinuca na perigosa Matinha, em Manaus. Mas a maior parte do tempo era dedicado a uma educação indígena de qualidade. Hoje podemos ver os bons resultados dessa luta.

Sinto tanto não poder estar com ele de novo! Não importa mais. Perdi meu amigo, professor e parente. Queria ter ido para uma rodada de damurida, caxiri, pajuaru e parixara contigo em Roraima. Fica para quando a gente se ver nas Plêiades…

Lembrarei de você amigo, sempre! Como você sempre dizia: “eu acredito que somente pela educação é que se pode ter uma sociedade mais justa, mais igualitária, transformadora”. Eu também acredito, só a educação nos liberta. Vamos continuar lutando. Lembrei que tu dizias que não existe Deus além de Makunaimî. Então que sejas bem recepcionado no mundo de Makunaimî, meu amigo.”

 

Homenagem de Priscilla Torres*: Fausto Mandulão, o educador e grande liderança indígena.


Sob os olhos atentos de Makunaima, nasceu no sexto dia do mês de setembro do ano de 1961, Fausto da Silva Mandulão, para os conhecidos Fausto, para os colegas de profissão professor Fausto, para os amigos e família professor Faustinho.

Grande Fausto Mandulão é roraimense da comunidade do Boqueirão, município de Alto Alegre aos arredores da capital Boa Vista. Desde muito novo soube o que é a luta em buscar uma vida digna pautada na educação. Ainda na infância, foi acolhido em um internato de padres, o que moldou seu gosto pela busca do conhecimento e o fez trilhar sua trajetória em busca de uma educação melhor para seu povo. Indígena da etnia Macuxi, Fausto trilhou uma linda caminhada na educação escolar indígena, causa que defendia com sangue, suor, lágrimas e alegrias durante 40 anos de sua vida.

Fausto era dotado de uma tranquilidade soberana, de fácil sorriso e fala mansa, porém incisiva quando o assunto era defender seu povo. Foi candidato a deputado estadual com pautas voltadas para causa indígena, porém não chegou a ser eleito.

Fausto era um exemplo para sua comunidade, criou seus cinco filhos e onze netos em seus princípios sempre pautados na qualidade da educação para os povos indígenas. Deixa sua esposa, também atuante na educação indígena, Josilenilda Cruz, cinco filhos formados: Joici é médica e Giovana é nutricionista, ambas formadas pela Universidade de Brasília – UnB, Josafá é analista de sistemas formado pelo IFRR, Juliana é cirurgiã dentista pela Cathedral e Giofan é engenheiro agrônomo também formado pela UFRR.

Professor Fausto era graduado em Licenciatura Intercultural com habilitação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Roraima desde 2009, foi um dos primeiros estudantes e militantes em defesa do Instituto Insikiran na Universidade Federal de Roraima.

Nas horas vagas, Fausto alimentava paixões espontâneas pelo futebol, era torcedor assumido do Flamengo e adorava jogar sinuca com os amigos e familiares em casa, na comunidade Tabalascada, região Serra da Lua, município do Cantá, onde estabeleceu residência e viveu até seus últimos dias com a família e recebendo seus queridos amigos com grandes festas regadas a muita fartura, dança de forró (uma atividade que era entusiasta) e muita alegria.

O macuxi que durante sua caminhada adquiriu a incrível habilidade de conhecer os mistérios das ervas naturais para medicina tradicional indígena e grande valorizador da cultura de seu povo. Fazia questão de acolher suas amizades e mostrar sua terra e os lugares por onde passava. Amava as riquezas naturais do seu estado e falava com orgulho das belezas da sua região.

De fala doce e ensinamentos nobres, Fausto foi um soberano na defesa dos indígenas. Um homem franzino de pequena estatura, mas de grande legado, com grandes princípios que sempre se basearam na família e nos direitos de seu povo e de quem ele acolhesse. Inclusive da pessoa que vos escreve, que acolheu como filha e devotou seu carinho e amor de pai até seus últimos dias de vida.

O professor FAUSTO DA SILVA MANDULÃO deixa seu nome histórico para educação indígena do estado de Roraima, e certamente marca as nossas vidas com as suas incansáveis lutas pela defesa da educação. Aprendemos muito com sua trajetória.

Com amor, e sinceros sentimentos aos familiares, amigos e companheiros de luta.


*Priscilla Torres é jornalista pela FENAJ, graduanda em Filosofia pela UFAM e Artes Visuais pela UFRR e foi acolhida como filha adotiva de Fausto Mandulão desde 2015 em Roraima.

FONTES

Foto em Destaque: Wanderley Francsico da Silva Pessoa (ACS/MEC)

Fotos na Galeria: Reprodução// Folha BV; Amazônia Real; Amazônia Notícia e Informação (Greyce Rocha); Reprodução// Nova Cartografia Social da Amazônia (via Glycya Ribeiro)

Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/pioneiro-na-educacao-indigena-em-roraima-fausto-mandulao-do-povo-macuxi-morre-vitima-da-covid-19/

Amazônia Notícia e Informação
https://amazonia.org.br/2020/06/pioneiro-na-educacao-indigena-em-roraima-fausto-mandulao-do-povo-macuxi-morre-vitima-da-covid-19/

Folha BV
https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Capital/Campanha-que-arrecada-alimentos-homenageia-professor-Mandulao/66269

Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena
http://ufrr.br/insikiran/

Nova Cartografia Social da Amazônia
http://novacartografiasocial.com.br/nota-de-pesar-professor-macuxi-fausto-mandulao/