Benedito Reginaldo Filho, 94

Terena

Seu Benedito Reginaldo Filho é mais um Terena vítima fatal da Covid-19. Seu filho Ageu Reginaldo relata que o pai esteve internado por dois dias no Hospital Regional de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Com a saúde debilitada pela infecção pelo novo coronavírus, não resistiu e faleceu aos 94 anos, no dia 3 de agosto de 2020. Seu Benedito Reginaldo nasceu em 1926 e era viúvo há pelo menos três décadas. Sua esposa deixou seis filhos desse matrimônio. Dos seis – quatro homens e duas mulheres –, quatro já haviam falecido ao longo do tempo, em diferentes momentos, após a partida da mãe.

Foram os dois filhos restantes, Ageu Reginaldo e Arão Reginaldo, que receberam a triste notícia da perda do pai para a Covid-19. Segundo Ageu, seu Benedito foi encaminhado para o hospital e, apesar de a internação não ter envolvido tantas burocracias, houve um grande descaso por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) na prestação de apoio e auxílio ao povo Terena neste momento tão complexo e delicado da pandemia.

Seu Benedito foi um grande líder da família e um dos protagonistas na aceitação da evangelização e da implantação de igrejas evangélicas entre o povo Terena, motivo pelo qual enfrentou oposições internas. Promoveu a Igreja Evangélica da Aldeia Água Azul, fundada em 1928, primeira igreja na Terra Indígena Buriti. Essa TI está em uma região marcada por intensos conflitos fundiários com fazendeiros; no centro das disputas entre povos indígenas e ruralistas no Mato Grosso do Sul. O Estado brasileiro tem sido moroso na conclusão de seu reconhecimento formal: os conflitos chegaram ao ápice em 2013, com o assassinato de uma importante liderança dos Terena pela Polícia Federal, durante a reintegração de posse aos indígenas da fazenda Buriti. Já se vai uma década desde a publicação da sua Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça, reconhecendo a tradicionalidade da área, e dezesseis anos desde o relatório de identificação da FUNAI. A TI Buriti ainda não foi homologada.

Graziele Acçolini, etnóloga especialista na temática do povo Terena, registrou em um artigo que as religiões cristãs são predominantes na região. Sobretudo a religião protestante, em vertente pentecostal, possui importância notável no universo simbólico e religioso dos Terena, e se tornou elemento integrante daquela sociedade.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), o estado do Mato Grosso do Sul abriga a segunda maior população indígenas do país. O site do Instituto Sociambiental (ISA) afirma que a população Terena é bastante numerosa:

“Com uma população estimada em 16 mil pessoas em 2001, os Terena, povo de língua Aruák, vivem atualmente em um território descontínuo, fragmentado em pequenas ‘ilhas’ cercadas por fazendas e espalhadas por sete municípios sul-matogrossenses: Miranda, Aquidauana, Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Nioaque e Rochedo. Também há famílias terena vivendo em Porto Murtinho (na TI Kadiweu), Dourados (TI Guarani) e no estado de São Paulo (TI Araribá). […] Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de forma mais explícita, seja através das mulheres vendedoras nas ruas de Campo Grande ou das legiões de cortadores de cana-de-açúcar que periodicamente se deslocam às destilarias para changa, o trabalho temporário nas fazendas e usinas de açúcar e álcool.”

 

Ageu Reginaldo registrou um histórico em memória do legado de seu pai:

 

Queria fazer um pequeno relato da história do meu pai, Benedito Reginaldo Filho. Bom, esse nome “Reginaldo Filho”, foi uma herança do saudoso vovô Benedito Reginaldo, um tronco da família Reginaldo, que é uma família muito grande aqui na minha região. O meu pai desde pequeno, desde a infância, conheceu a Sagrada Escritura através do meu saudoso avô. De lá pra cá, meu pai veio seguindo esse caminho como cristão. Sempre foi uma pessoa muito humilde e simples. Não teve educação formal, mas sabia assinar o próprio nome.

Desde cedo percebia no meu pai um homem perseverante, que acreditava. Cheio de muita fé. Todas as coisas que ele fazia eram fundamentadas na fé em Deus: “Vamos orar?”, essa era uma frase dele. A oração era como chave da comunidade, como base de viver em sociedade. Ele sempre demonstrou ser um exemplo de vida, tanto na vida social como na espiritual. Um aprendizado que meu pai me deixou é que a nossa vida tem que ser valorizada. A nossa vida de luta. Meu pai foi um homem batalhador na vida espiritual e também na comunidade.

Mesmo já bem idoso, aos 94 anos, já fragilizado pela idade, demonstrava muita firmeza, fé. Acreditava em Deus conosco. Estava sempre nos motivando e não deixando a gente cair em desânimo. E são palavras que ficam na nossa memória. Sempre me espelhava nele, como um mestre, um companheiro, um amigo, um guerreiro… como o pai que era. Uma enciclopédia que foi embora de mim, de nossa família e comunidade. Um livro vivo da família.

Fazer homenagem pra ele é lembrar que meu pai foi esse fundador do evangelho, fundamentado também no trabalho. Foi uma grande perda pro povo Terena aqui da região. Um grande líder, um grande guerreiro. E o que posso fazer agora é cumprir o papel de orientar os meus filhos, as gerações que vêm aí, que são os netos, o fruto da geração de meu pai, seu Benedito Reginaldo Filho.

Que todos os povos indígenas, não só os Terena, os indígenas do nosso país, sejam valorizados através das memórias que construímos e guardamos dos nossos pais. Esse é um importante trabalho a ser feito para valorização daquilo que guardamos dos nossos ancestrais.

Nas redes sociais, Ageu Reginaldo declarou sobre a perda do pai:

Com muita dor no coração, meu herói, meu pai. Meu companheiro, meu mestre na vida secular e, principalmente, na vida espiritual. Partiu deste mundo. Descansa em paz, meu herói.

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”.

Quero agradecer a todos os irmãos e amigos que me deram palavras de conforto neste momento de dor – estou consolado pelo Espírito Santo – pois sei que muitos irmãos estão orando a favor da minha família. Para o meu pai, Benedito Reginaldo filho, que descansou e está no lar eterno. Que Deus possa abençoar a cada um de vocês meus irmãos e amigos. ITUKO’OVITI huvo’oxovi.

 

 Fernando Souza, sobrinho de seu Benedito, sobre a perda:

 

Meus sentimentos a toda a sua família, Ageu. O tio cumpriu a sua missão nesta terra. Sei que a saudade será muita, que o Espírito Santo Consolador seja contigo e os demais irmãos e parentes.

 

Reginaldo Terena, neto de seu Benedito, declarou:

 

Mais uma vítima da Covid. Descanse em paz, vô Bilu. Benedito Reginaldo, grande servo de Deus. “Combati um bom combati acabei a carreira guardei a fé.”

Família Reginaldo, em luto.

 

Lisio, amigo da família, registrou:


Ageu e Arão, somente Itukooviti pode consolá-los neste momento de dor. Meus sentimentos.

 

Elis Amaral, neta de seu Benedito, declarou:


Nosso vovô, Benedito Reginaldo, terminou a carreira aqui na terra e agora descansa nos braços do Pai! Nosso abraço carinhoso ao Ageu Reginaldo, Arão Reginaldo e toda a família. Deus está no controle e tem o conforto nesse momento de dor.

Liderança indígena denuncia o descaso do Governo Federal com a saúde indígena entre os povos Terena (MS).

FONTES

Foto em Destaque: Acervo Pessoal da família de Benedito Reginaldo, cedido por Ageu Reginaldo.

Fotos na Galeria: Acervo Pessoal da família de Benedito Reginaldo, cedido por Ageu Reginaldo.

 

Acçolini, Graziele. Xamanismo E Protestantismo Entre Os Terena: Contemporaneidades”.In: Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 24-47, jan./jun. 2012. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/26916/18779

ISA- Instituto Socioambiental. Povos Indígenas do Brasil (PIB).
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Terena, acesso em 05/08/2020.

BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os indígenas no censo demográfico 2010. Primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Disponível em https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf     acessado em 05/08/2020 

Reportagem de Racismo Ambiental. STJ mantém terra indígena Buriti, onde foi morto Oziel Terena, anulada por marco temporal.

https://racismoambiental.net.br/2018/03/13/stj-mantem-terra-indigena-buriti-onde-foi-morto-oziel-terena-anulada-por-marco-temporal/ acessado em 05/08/2020.