Domingos Mãhörõ, 60

Xavante

Domingos Mãhörõ nasceu no sudeste do Estado do Mato Grosso, na aldeia Dom Bosco, município de Poxoréu, próximo à região do rio Cristalino, bacia do Rio das Mortes. Ele foi uma importante liderança Xavante da TI Sangradouro e se destacou em alguns momentos na luta dos povos indígenas em Mato Grosso. Seu Domingos viajou por vários países, levando inúmeros ensinamentos de seu povo e defendendo os direitos originários nos quatro cantos do mundo.

Segundo as informações contidas em um material produzido em 2000, por seu filho Jesus e em parceria com o Colégio Cotiguara, seu Domingos era visto como “um homem de visão ampla, preocupava-se com a estrutura de toda nação indígena na sociedade brasileira, possuindo o desejo de ver os verdadeiros donos dessa terra Brasil engajados no milênio que se inicia; não como observadores da nova era, e sim como ativos personagens transformadores da história deste país”. Domingos Mãhörõ era cacique na aldeia Dom Bosco, foi casado e pai de oito filhos (seis mulheres e dois homens). Era reconhecido pela sua comunidade como um Xavante “determinado, sonhador, culto, profundo conhecedor das tradições de povo (…) um ferrenho batalhador das causas indígenas.”

Estudou até completar o segundo grau e, então, formou-se professor, profissão que exerceu durante um bom tempo. Foi um verdadeiro autodidata. Para além da sua língua originária e do português, falava também espanhol. De acordo com o seu amigo Antonio Carlos Ferreira Banavita “Domingos era um apreciador da boa música, em especial a música andina. Por diversas vezes, gravei para ele inúmeros cd’s e depois gravei também alguns pen drives com músicas andinas”, inclusive, na galeria desta homenagem tem duas fotos que seu Domingos aparece com um violinista boliviano.

Além de ser cacique na aldeia Dom Bosco, era o presidente da Cooperativa Indígena Grande Sangradouro e Volta Grande (COOINGRANDESAN). Infelizmente, seu Domingos Mãhörõ faleceu no dia 06 de julho de 2020, aos 60 anos, na cidade de Cuiabá, por complicações da infecção pelo novo Coronavírus. Domingos Mãhörõ é mais uma pessoa indígena que se vai com esta pandemia da Covid-19, vítima fatal do vírus e do descaso do governo com a saúde dos povos indígenas no Brasil.

Domingos Mãhörõ já estava internado desde o dia 25 de junho, em um hospital particular do município de Primavera do Leste. Lá o estado de saúde do cacique foi se agravando. Ele aguardou por pelo menos três dias uma transferência para outro hospital com disponibilidade de um leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em Cuiabá, capital do estado, a cerca de 240km da cidade de Primavera do Leste. Para conseguir essa transferência para o Hospital Estadual Santa Casa, a família do cacique teve que entrar com um pedido de urgência na Justiça. Após a transferência para a UTI seu Domingos Mãhörõ continuou apresentando complicações da doença, dentre elas sofreu duas paradas cardíacas e, infelizmente, não resistiu.

 

Sua sobrinha Samira Tsibodowapré Xavante falou sobre essa grande perda para o povo Xavante:

 

Hoje perdemos mais um guerreiro para a Covid-19. Nosso Grande Guerreiro, meu tio, Cacique Domingos Mãhörõ, ao saber que eu estava em Sangradouro, foi até meu marido e pediu para me ver. E quando me viu, segurou a minha mão e se emocionou. Disse que estava com muitas saudades do meu pai e que quando fosse para Campinápolis iria visitar o túmulo do irmão. Falou que ao me ver estava vendo o meu pai. E complementou dizendo que tinha também uma filha chamada Raíssa e desejava que eu a conhecesse, referindo-se à xará de minha irmã Raíssa. Disse tantas palavras bonitas e de incentivo! Me incentivou a continuar a luta de meu pai. Ele estava muito emocionado e eu também. Disse ainda que estava lutando pelo nosso povo, pelo o povo de Sangradouro. E que ele não se importava com as críticas, pois essa era a luta dele. Mal eu sabia que, tio, era essa a nossa despedida. Eu não sabia. Que Deus te receba hoje.

 

O pesquisador e antropólogo Adelino Mendez registrou:

 

Domingos partiu, a COVID-19 levou Mãhörõ.

A primeira vez que fui à Funai, em 1990, com Sidney Possuelo, fui conhecer o então “Departamento de Índios Isolados”. Na entrada do prédio fui apresentado para o cacique Domingos Mãhörõ. Ontem, depois de esperar atendimento em uma UTI por 3 dias, Mãhörõ se foi.

O povo Xavante perde uma grande liderança, formada pelos velhos Xavante.  A aldeia Dom Bosco e o povo Xavante passam por uma tragédia.

Vá com Deus meu amigo.

 

O fotógrafo e documentarista Antonio Carlos Ferreira Banavita registrou:

 

Dia muito difícil, perdi um grande amigo, um irmão, o xavante Domingos Mãhörö, amizade de mais de 20 anos. Fui com meus filhos ainda crianças na aldeia que ele viveu por muitos anos, Aldeia D. Bosco, à margem do rio Cristalino, onde ele desemboca no Rio das Mortes.

O povo Xavante perde um grande líder, um diplomata, um ser humano conciliador, educado, inteligente, um grande orador, um defensor e divulgador da sua cultura. Conheceu vários países, mas nunca saiu da sua aldeia. Saía para as viagens na busca de fortalecer o seu povo, sua cultura, voltava para a sua aldeia sempre.

Na foto eu e ele, em 6 de julho de 2007, há exatos 13 anos.

Em outra postagem, Antônio, acrescentou:

Depois de mais de 20 anos de amizade, meu amigo, guerreiro xavante Domingos Mãhörõ, sempre na luta pela autonomia do seu povo, foi vencido pelo Covid19. Gravei nosso último encontro no final do ano passado. Estávamos conversando eu, Domingos e Vinícius, meu filho, que na sua infância muitas vezes acompanhou-me à aldeia do Domingos e nadou no Rio Cristalino. Domingos explicou por que usava para o nosso encontro o tipo de madeira que vai na orelha, pois para cada situação tem uma madeira diferente de acordo com a cultura. Pareceu uma despedida. Foi a última vez que estivemos juntos. Continuamos a nos falar por telefone nas vezes que ele ia à cidade, falamos dia 3, ele já hospitalizado disse que estava um pouco melhor. Mas, hoje, a triste notícia. Perdi um grande amigo, um grande ser humano, inteligente, um diplomata, forte na sua cultura, um grande líder, que deixou um legado na defesa da autonomia do seu povo.

Domingos agora vai para a aldeia dos espíritos, juntar-se a também meus amigos, seu pai, mãe e esposa. Que na crença e nos rituais do povo Xavante encontrem a paz tão desejada pelo meu amigo Domingos.

FONTES

Foto em Destaque: Antônio Carlos Ferreira Banavita
Fotos na Galeria: Todas as fotografias são de Antônio Carlos Ferreira Banavita

Links para os textos de Reprodução//Facebook

Adelino Mendez

https://www.facebook.com/photo?fbid=3057575667692604&set=a.108105445972989

Samira Tsibodowapré Xavante

https://www.facebook.com/photo?fbid=3120686924677749&set=a.285040311575772

Antonio Carlos Ferreira Banavita

https://www.facebook.com/antoniocarlos.ferreirabanavita/posts/3119483464779372

https://www.facebook.com/antoniocarlos.ferreirabanavita/videos/3119705234757195

CD-ROM sobre a Cultura Xavante (2000) – Todo o conteúdo do CD foi repassado pelo cacique Domingos Mãhörõ. As informações foram coletadas e organizadas pelo seu filho Jesus: inúmeras fotos, filmes, textos que digitou e gravações de sua própria voz em narrativa xavante.

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