Karapiru, 70.

Awá-Guajá

Homenagem por Renata Otto, doutoranda em Antropologia pela UnB, e também colaboradora da Rede Vagalumes.

 

Hoje, 16 de julho de 2021, soube da morte de Karapiru Awá-Guajá. Numa rede social, Flavia Berto escreveu: Karapiru oho iwapé. “Karapiru foi para o céu”. Espero que sim, que ele tenha alcançado fácil o caminho e chegado lá. Embora eu não quisesse isso. Karapiru devia ter cerca de 70 anos de idade (nos seus documentos de identidade encontramos uma data de nascimento imaginada no ano de 1945). Ele era um homem forte ainda e não teria subido assim definitivamente para o céu, se o mundo dos brancos, karaí, não estivesse se abatendo mais uma vez violentamente sobre o mundo indígena.

Karapiru tornou-se “célebre” entre os brancos depois do filme “Serras da Desordem”, de Anrdea Tonacci (2006). Tonacci filmou com os Awá-Guajá durante algumas vezes diferentes até que conseguiu uma perspectiva preciosa: concentrou-se na história de Karapiru, tratando-a como emblema do modo como o Brasil “grande” – o das commodities de soja e minério, do trem de ferro estrondoso frenético cortando a carne da terra sem cessar, misturado ao som ufanista do carnaval de exportação, ao céu e às edificações estonteantes de Brasília – lida com as populações indígenas, verdadeiras donas do lugar. Mas também conseguiu filmar o modo como os Awá, no caso, representando os povos indígenas, lidam com os invasores. No filme, Karapiru sonha sua vida de abundância, aquela vivida até o encontro fatídico com os karaí, que seria repetido muitas vezes em vigília.

Karapiru vivia recentemente na Terra Indígena (TI) Caru, situada no noroeste do Maranhão. Esta terra participa de um mosaico de áreas protegidas: ao norte, faz fronteira com a TI Awá que, por sua vez, é contígua à TI Alto Turiaçu, ligada à TI Tembé, já no estado do Pará. Ao oeste, a TI Caru ainda é contígua à Reserva Biológica do Gurupi. Essas áreas, situadas nas franjas ocidentais da floresta amazônica, se transformaram nas últimas ilhas verdes do estado do Maranhão, rodeadas que estão de serrarias ilegais. 

 

A gente de Karapiru, o povo conhecido como Awá-Guajá, faz parte do conjunto de povos tupi-guarani.

 

Hoje, dia da morte de Karapiru, houve na Alemanha mais de cento e vinte mortes por uma inundação sem precedentes que fez também desaparecerem outras cerca de mil e quinhentas pessoas. No Canadá, acontece uma onda de calor que já matou cerca de cem pessoas. No Brasil, estamos numa seca que faz baixar reservatórios abaixo do nível e ameaça apagões de energia. Aqui, a Covid-19 não dá trégua há dois anos e, hoje, ultrapassamos os 540 mil mortos. Só hoje, mesmo depois que o número de mortos diários no Brasil reduziu de quatro mil para cerca de mil, morreram mais de 1400 pessoas por Covid-19. Tudo isso me leva a pensar que estamos nas bordas do fim. Ao mesmo tempo está explícito que o fim não chega na mesma intensidade e velocidade para todos. Os povos indígenas tiveram sua taxa de mortalidade por Covid-19 cinco vezes maior que o restante da população brasileira. Hoje, essa tragédia matou Karapiru.

Os Awá-Guajá foram vacinados. Há estatísticas que contam 1 morto em cada 25 mil vacinados. Karapiru provou sua sorte. Mas isso é apenas uma maneira cabalística de ver a tragédia, outros motivos estão certamente em jogo. Os Awá participaram, no último junho, do “Levante Indígena”, movimento político para defesa de seus direitos que, mesmo na pandemia, teve que ser levado adiante. Os Awá tomaram parte na luta porque seus direitos territoriais, e sua vida, estão francamente ameaçados. Na “ponta”, como dizemos, isto é, nos territórios, os invasores estão se encorajando ainda mais, se sentindo impunes e se tornando ainda mais violentos. No Congresso, já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e está para ser votado pela plenária, de maioria ruralista, um projeto de Lei, o PL490, na contramão absoluta do que diz a Constituição a respeito dos direitos dos povos originários. Ele prevê desde rever a titularidade de terras já demarcadas, até acabar definitivamente com o usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras, permitindo todo tipo de exploração por terceiros. Ou seja, é um pacote de maldades que destrói completamente a figura da Terra Indígena. No Supremo Tribunal Federal estão para julgar um caso que dará jurisprudência para o que chamam de “marco temporal” e que faz restringir a terra indígena àquela ocupada no ano de 1988, como se os índios pudessem desaparecer ou deixar de ser índios depois ou antes de 1988… Os tempos são aqueles ditos pelo ex-ministro do meio ambiente, investigado por crime ambiental: tempos de “passar a boiada” em cima de tudo. Neste cenário, os Awá tomaram parte no Levante. Participaram das reuniões e da manifestação na cidade de Santa Inês que fechou a rodovia, junto com os Guajajara. Dez dias depois, as pessoas passaram a adoecer na TI Caru.

Essa imagem de fim não me leva ao céu dos Awá, que é certamente um bom lugar. Me leva direto à sabedoria Guarani , Apapokuva. Tupi-Guarani, como os Awá-Guajá. Há mais de cem anos, o etnólogo alemão batizado Nimuendaju por esses Guarani publicou “As Lendas de Criação e Destruição do Mundo”. A monografia sobre esses que o batizaram foi um comentário aos mitos que o autor ouviu quando acompanhava alguns bandos que atravessavam do Paraguai ao litoral de São Paulo em busca da “terra sem mal”, Yvy Mara’ey. Eles diziam que a destruição do mundo começaria inevitavelmente, ela estava à espreita, era uma espécie de acontecimento já em curso desde o começo. A destruição apapokuva começa pelo oeste com um incêndio e um desmoronamento da Terra e segue mais ao leste, onde há uma grande enchente que termina de destruir a Terra imperfeita. Mais tarde, na década de 1970, Pierre Clastres escutou os Mbyá Guarani e sua obra reverbera as falas sagradas dos sábios. São eles que comentam agora seus próprios mitos e explicam que a Terra sucumbe porque está, ela mesma, cansada, exausta, muitos corpos estão pesando no corpo dela, e ela ruirá.

Os Awá-Guajá também compartilham da sabedoria tupi-guarani nos seus mitos e em modos de viver. Eles também provaram uma grande marcha do oeste para o leste há cerca de duzentos anos, quando saíram de uma região da margem esquerda do rio Tocantins e seguiram para o vale do rio Pindaré no Maranhão, onde habitam até hoje. No novo lugar eles se deixaram ver pelos karaí, apenas muito recentemente (a partir da década de 1970), só depois que as rodovias e a estrada de ferro da Vale começaram a cortar sua Terra-território. Desde então, os Awá-Guajá tentam escapar do assédio desses invasores e sobretudo das suas doenças, inamuhun, do seu fedor de morte e da tosse-catarro que os invasores carregam consigo, que contaminam e matam os Awá, especialmente vulneráveis porque têm pouco tempo de exposição aos vírus e bactérias e baixa imunidade contra eles.

Além de driblar as doenças dos invasores, Karapiru foi um dos Awá-Guajá que escapou das suas armas de fogo. Em 1978, Karapiru e seu grupo familiar foram assaltado na sua própria casa. Os invasores queriam expulsar os Awá das terras que grilavam. Armaram uma emboscada, atiraram sobre todos os Awá que encontraram na mata e atearam fogo nas casas do seu acampamento. Temos registro que foram mortas quatro pessoas nessa emboscada. Mas pode ser que tenham sido mais. Karapiru se salvou atirando-se ao rio com seu filho de colo. Correu para dentro da mata. Fugiu por muito tempo, andando sozinho, porque o filho não resistiu à marcha, sem o leite e o colo maternos, faleceu. Caminhando sozinho e fugindo dos brancos, Karapiru chegou ao sertão da Bahia, onde foi reencontrado pelos indigenistas do departamento de índios isolados da Funai, cerca de 10 anos depois. Esta saga de Karapiru está reencenada com maestria, pelos Awá, inclusive por Karapiru e pelo grande diretor, também falecido, Andrea Tonacci, no referido filme “Serras da Desordem”.

Depois de reencontrado pelo pessoal da Funai, Karapiru reencontrou um dos filhos.  Aquele filho tinha também se salvado da emboscada, mas desde lá, os dois não sabiam absolutamente mais nada um do outro. O filho era ainda criança na época da emboscada, e havia sido levado a viver com aqueles outros karaí, amigáveis, no posto da Funai. Tornou-se um homem adulto assim, criado por gente mais ou menos do tipo daquela que matou seus parentes. Não passava pela cabeça de nenhum deles reencontrarem-se. Até que Sidney Possuelo, coordenador do departamento da Funai, desconfiando que aquele andarilho solitário pudesse ser um Avá Canoeiro ou um Awá-Guajá, dado as palavras tupi que reconhecia e o lugar em que o encontrara, mandou chamar Xiramuku (Benvindo Guajá). Este vivia e trabalhava no posto da aldeia do Cocal, na TI Alto Turiaçu. Xiramuku desembarcou em Brasília para ir reconhecer a língua daquele “desconhecido”. Xiramuku, então, não apenas reconheceu a língua falada pelo estranho como sendo a sua própria, a língua guajá, como reconheceu o homem como seu próprio pai.

Karapiru foi viver no lugar onde vivia o filho, junto com outros parentes antigos na TI Alto Turiaçu, originalmente demarcada para os Ka’apor, outro povo tupi-guarani. Não se demorou muito lá e foi viver em companhia de outras famílias na Terra Indígena Caru. Naquela época, ainda não havia sido demarcada a Terra Indígena Awá, e os brancos continuavam ameaçando e invadindo a Terra-território dos Awá (como fazem até hoje). Na TI Caru, habitada primeiramente por aldeias Tenetehara-Guajajara, Karapiru encontrou esposas e teve filhos. Lá era renomado como bom caçador, mas não chegou a ter família numerosa.

Naquela aldeia não encontrou outros homens de sua geração, com quem tivesse uma relação de maior proximidade, de quem pudesse ser verdadeiramente companheiro. Frequentemente ele ia à mata, andar-caçar, sozinho. Não tinha mulheres a quem pudesse chamar propriamente de irmã ou de mãe. Era um tanto solitário, um tanto retirado. Parece que Karapiru nunca pôde deixar de ser um tanto estrangeiro. Apesar de ter certa fama entre os brancos, por causa da sua história excepcional, ele não fazia questão alguma da companhia, ou dos bens, deles. Não gostava de ir ao povoado, que fica a dois quilômetros da aldeia, na outra margem do rio Caru, em torno da parada do trem da Vale, que passa muitas vezes por dia e durante a noite. Só frequentava a cidade um tanto obrigado, por motivos de saúde, por exemplo. Mas ele era inquestionavelmente uma pessoa muito simpática. Jamais arrogante ou raivoso. O sorriso sempre amigável, generoso para todos os que se aproximavam dele.

Lembro-me especialmente de duas pequenas passagens que tive com ele na aldeia Tiracambu. Uma vez, notei que ele passou a vir ao posto com frequência. Ao anoitecer, ele vinha tomar um remédio. Perguntei por que ele tomava aquilo. Ele me contou que sentia muitas dores na coluna porque tinha tomado um tiro dos brancos. Me espantei. Como teria acontecido isso? Quando? Até que pude entender que ele se referia ao acontecido naquela vez, há mais de 30 anos. Para mim, ele contava como se tivesse acontecido ontem… Isso me leva a entender a tragédia que aconteceu a ele como a verdade do mito: ela não tem propriamente um passado. Aquele mau encontro, aquele encontro fatídico (criminoso), era sentido todos dias como um presente, revivido continuamente. Isso, todavia, não tirava dele sua aparente felicidade de viver e sua cortesia para com os outros. Tanto que, de outra vez, o vi se orgulhando em criar um par de bem-te-vis. Estes frequentavam todos os dias a sua casa e se empoleiravam nas proximidades da sua rede de dormir. Ele sorria alimentando-os com qualquer sobra mastigada. Eles agradeciam isso lhe fazendo companhia constante.

Não fui certamente amiga de Karapiru, mas sou certamente uma pessoa que o admira muito. Me indigna profundamente que esta doença o tenha vitimado. E que esteja mais uma vez ameaçando todos os Awá-Guajá. Kamairu, um grande cantor, um sábio contador de histórias, da mesma aldeia, Tiracambu, na TI Caru, está, neste momento, também hospitalizado com Covid-19. Espero muito que ele consiga escapar, uma vez mais, ainda…

 

Nota de Falecimento (Coletiva)

 

Karapiru, ou “Carapiru” como acabou mais conhecido, faleceu em Santa Inês, no interior do Maranhão, na última sexta-feira, 16 de julho de 2021. A história da sua vida é extraordinária. Pertencente ao povo Awa Guajá, vivia isolado na mata com sua família, quando, nos anos 1970, sofreu uma emboscada de fazendeiros que circulavam na região. Ao ataque, sobreviveram apenas ele e um de seus filhos. O menino foi capturado pelos agressores. O pai fugiu. Passou dez anos escondido, sempre em movimento, sempre fugindo dos não indígenas. Percorreu sozinho centenas de quilômetros, do Maranhão até o norte da Bahia, onde, em meados dos anos 1980, topou com moradores de uma comunidade rural na cidadezinha de Angical. O seu aparecimento repercutiu na região, atraiu a atenção da Fundação Nacional do Índio e da imprensa do país inteiro.

Ninguém sabia quem era ele, que língua falava ou por que estava ali. Em uma das inúmeras tentativas de solucionar o mistério, a Funai decidiu levar um intérprete Awa Guajá para falar com ele. Foi então que o rapaz, ao se encontrar com Karapiru, olhou-o bem no rosto, reconheceu as marcas dos tiros em seu corpo – cuja dor ele carregaria pelo resto da vida – e concluiu:

– “Ele é meu pai”.

A partir desse reencontro, num movimento impensável do acaso, ele pôde restabelecer contato com a família e, enfim, voltar a viver junto de seu povo.

Na vida de Karapiru, a violência e a destruição promovidas pelo Estado brasileiro contra os povos indígenas foram uma constante ameaça. Sua fantástica saga de fuga tem uma dimensão que a maioria de nós sequer cogita experienciar. Apesar de ter ganhado o imaginário nacional na época, chegando a ser contada em filme décadas depois, essa história ecoa incontáveis outras, vividas tanto pelos Awa Guajá quanto por todos os povos indígenas no Brasil.

Um processo longo e contínuo de genocídio que permanece, em sua maior parte, alienado do resto da sociedade. Para todos que tiveram ou terão a oportunidade de conhecer essa história, talvez o processo seja uma das maneiras mais intensas de superar essa invisibilidade em relação ao genocídio, de conferir-lhe materialidade, historicidade, de acessar e entender o ponto de vista de suas vítimas. Karapiru nos ensinava tudo isso, e ensinava com a doçura que lhe é característica: sempre sorrindo, sempre carinhoso com quem convivia com ele, uma doçura indestrutível, mesmo depois de tantas perdas, fugas, tanta violência vivida.

 

A doçura como resistência.

 

Karapiru viu o genocídio de frente e carregou suas marcas no corpo, porém não resistiu à Covid-19. Já havia tomado as duas doses da vacina, mas diante dos altos níveis de circulação do Sars-CoV-2 que o Brasil ainda mantém, a proteção não foi suficiente. Os Awa Guajá têm, desde o início da pandemia, tentado se manter apenas em seus territórios, restringindo suas saídas apenas para casos de emergência de saúde. Houve, em 2020, um esforço de parceiros e aliados para que fosse possível a manutenção desse isolamento e que houvesse um controle de entrada e saída de pessoas das terras indígenas, fossem elas indígenas ou não-indígenas.

As estatísticas disponíveis hoje sobre a pandemia e os povos indígenas no Brasil, como as divulgadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e do Movimento Alerta, mostram que toda proteção e cuidado foram e continuam sendo fundamentais. A tragédia da pandemia no país, que está atingindo centenas de milhares de famílias, tem um forte viés racial e étnico, com os indígenas tendo proporcionalmente o maior número de casos, de internações e de vítimas fatais.

Em 2021, as vacinas trouxeram a esperança de que a pandemia poderia ser controlada. Mesmo com a disseminação de informações falsas, gerando desconfiança em relação a elas, inclusive entre os povos indígenas, os Awa Guajá aderiram à vacinação de modo generalizado assim que as doses chegaram nas aldeias. Porém, como temos aprendido nos últimos meses, as vacinas protegem a sociedade e não os indivíduos.

As mortes evitáveis continuam acontecendo aos milhares e o vírus continua circulando muito, com o agravamento de um consenso perigoso de que o pior já passou. Nessa pressão crescente pela retomada de eventos e atividades, no momento em que os riscos também aumentam, os povos indígenas enfrentam ainda uma das maiores ameaças aos seus direitos das últimas décadas, com a perspectiva de aprovação pelo Congresso Nacional do PL 490 e da adoção de jurisprudência favorável à tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal.

As mobilizações e os protestos – quase sempre a única ferramenta que esses sujeitos dispõem para se fazerem visíveis e lutar por seus direitos, seus territórios, tal como assegurados na Constituição Federal – tão necessários neste momento, têm levado indígenas de todo o país a saírem de suas aldeias, colocando-se conscientemente em risco, em nome da luta. Isso inclui os Awa Guajá. Eles não querem que essa violência – a que Karapiru e seu povo enfrentaram a vida toda – continue a se perpetuar.

Karapiru foi e o seu povo permanece sendo, testemunha de uma política de invasão, ocupação dos territórios indígenas, muita violência, doença e assassinato. Uma política da morte, para a qual a pandemia é, sobretudo, uma ferramenta oportuna, na medida em que contribui para a manutenção de seu projeto de aniquilação. Expressamos aqui a nossa indignação, saudade, nossos sentimentos e solidariedade ao povo Awa Guajá neste momento difícil.

 

Alexandre Werá, realizador audiovisual e ativista Mbyá.
Cristina Amaral, montadora.
Eliane Cantarino O’Dwyer, antropóloga.
Fábio Costa Menezes, realizador audiovisual
Flávia de Freitas Berto, professora e linguista.
Guilherme Ramos Cardoso, antropólogo.
Lirian Monteiro, antropóloga.
Louis Carlos Forline, antropólogo.
Marina Maria Silva Magalhães, professora e linguista.
Paula Sobral, antropóloga.
Renata Otto, antropóloga.
Uirá Felippe Garcia, professor e antropólogo.
Vincent Carelli, indigenista e cineasta.

 

 

Vincent Carelli, registrou na rede social:


Ontem partiu Carapiru, esta doçura de pessoa que foi personagem do filme Serras da Desordem do Andrea Tonacci, de COVID apesar de ter tomado as duas doses da vacina. Tristeza!

 

Adelino Mendez,  registrou na rede social:

 

Morre Karapiru Awa, de Covid-19!
 
Karapiru foi das pessoas mais doces e sofridas que conheci em minha vida. Dono de uma história incrível que representa a luta de todos os povos indígenas. Uma luta pela vida, pela liberdade. Karapiru partiu ontem. Mesmo estando vacinado com as duas doses da vacina, a doença o levou. Ele inicia sua viagem, para o “céu do céu” oho iwa pe

Ah, …tristeza.

Um herói desconhecido, vítima da invisibilidade conferida pelo Estado brasileiro aos povos da floresta, aos povos primeiros.

Para conhecer melhor sua vida e sua luta, assistam ao documentário Serra da Desordem, de Andrea Tonacci de 2006.

 

Felipe Milanez, registrou:

 

Genocídio! Morreu Karapiru Awa Guajá, sobrevivente de massacre, de genocídio de madeireiros no Maranhão, assassinado agora por Covid-19. Sua história heróica de sobrevivência foi magistralmente contada por Andrea Tonacci em “Serras da Desordem”. Que esfacelamento de mundos! Que tristeza!

Que a memória de Karapiru e de Tonacci ajude a iluminar algum futuro possível!

 

Joana Golin, registrou:

 

Existe um genocídio silencioso que segue dizimando os povos indígenas e que se agravou durante a pandemia de Covid -19.

Neste final de semana foi Karapiru Awá-Guajá que se encantou e fez a passagem para outra dimensão. Ele foi uma das pessoas que eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente durante um trabalho a convite de Paulo do Vale para a Semana dos Povos Indígenas do Maranhão. Estar com ele e com o seu povo Awá – Guajá foi a minha aula magna da graduação em Ciências Sociais. Uma aula de beleza, força, resistência, sabedoria, gestos e olhares. Uma aula sobre o quanto a materialidade do sistema colonial nos limita em todos os sentidos!

Obrigada Karapiru pela tua existência neste planeta, por ter me ensinado tanto em tão poucas horas, pela oportunidade de reflexão e de ações neste planeta.

 

Pino Ricci, registrou:

 

Daniela Foresti ha segnalato questa triste notizia, pubblicata da Andreina Pasta.
È una notizia di 22 ore fa

Con grande dolore vi comunichiamo la morte di Karapiru Awá, ennesima vittima della “politica” genocida di Bolsonaro sul Covid. La sua è stata una vita incredibile, segnata da enormi sofferenze, come il massacro della sua famiglia da parte di taglialegna e coloni. Nonostante tutto il male che la nostra società gli aveva inflitto, Karapiru era rimasto un uomo dolce e gentile.

Leggi la sua storia commovente, culminata in una grande gioia, e aiutaci a rendergli omaggio diffondendola.

 

Nota do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

 

https://cimi.org.br/2021/07/nota-pesar-karapiru-awa-guaja/ 

 

El País publicou:

 

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-19/tragedia-e-resistencia-a-extraordinaria-vida-de-karapiru.html

 

Para saber mais sobre a história de Karapiru:


Assista Serras da Desordem de Andréa Tonacci

https://www.youtube.com/watch?v=VNMrboKyunw 


Leia esse texto de André Toral

encurtador.com.br/iqvRU 

 

Para saber mais sobre os Awá-Guajá acesse:

 

Survival International
https://survivalbrasil.org/pt/awa 

Mapa de Conflitos da Fiocruz
encurtador.com.br/ajuB8

FONTES

Foto em Destaque: Renata Otto

Fotos da Galeria: Renata Otto; (idem); (idem); (idem); (idem); Ricardo Chaves; Rede Globo; Fábio Costa Menezes; Via – Cláudio Maranhão; Via Conexão Planeta; (IDEM); Andrea Tonacci; (idem);  André Toral; Via Casa Livre; Survival International; (IDEM); (IDEM); Adelino Mendez; Survival International; (IDEM); (IDEM); Vincent Carelli; Survival International; Via Fábio Costa Menezes; Fiona Watson (Survival); Survival International.

Outras Fontes Consultadas

Cláudio Maranhão
http://padrebombieri.blogspot.com/2012/04/survival-lanca-nova-campanha-para.html 

Conexão Planeta

https://conexaoplaneta.com.br/blog/karapiru-awa-guaja-lider-indigena-que-sobreviveu-a-massacre-nos-anos-70-morre-de-covid-19/ 

Casa Livre

https://www.facebook.com/espaco.casa.livre/posts/1896994753817766

 

Aruká Juma, 70.

Juma

Homenagem feita por Luciana França, antropóloga e professora do Programa de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e colaboradora da Rede Vagalumes.

 

O que dizer sobre Aruká Juma, último homem de seu povo que teve a chance de viver com os seus, antes de restar só, com as filhas e netos, exilado para sempre de sua própria comunidade e de seu próprio passado? O que quer que se diga estará sempre muito aquém de alcançá-lo. Sua solidão não tinha parâmetros. Aruká nunca falou português e, mesmo em sua língua, falava pouco. Observava o mundo à sua volta de maneira silenciosa. Sorria, às vezes. Chorava a “saudade grande”, o ajapyryty tupi-kagwahiva, debruçado sobre os túmulos dos parentes mortos, enterrados na terra onde viveram um dia, antes dos massacres genocidas que quase os exterminaram por completo.

Consta que em 1964 ocorreu a última grande chacina, da qual Aruká e alguns outros juma sobreviveram. Desse massacre, houve investigação da Polícia Federal, inquérito, confissões e numerosos indícios de quem seriam os mandantes que, entretanto, nunca foram punidos. Segundo os relatos das filhas de Aruká, que nasceram duas décadas depois e ouviram apenas os relatos do que aconteceu na época, os brancos chegaram por toda parte e, depois que os Juma lançaram todas as suas flechas, eles atiraram com suas armas de fogo. Quase todos morreram e algumas meninas teriam sido raptadas. Os corpos de alguns Juma foram esquartejados e suas partes – cabeças e costelas – fincadas em paus e deixadas expostas.

Por mais de trinta anos, o pequeno grupo juma que conseguiu escapar ao massacre, viveu em seu próprio território, no sudeste do estado do Amazonas, evitando o contato com os brancos. Nesse período, nasceram as três filhas de Aruká com sua esposa que faleceu, quando elas eram ainda pequenas, e foi enterrada nas terras onde viviam. Ao longo dos anos, foram reduzidos a tão poucos que decidiram fazer novas alianças. Foram viver na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, levados por um agente da Funai. Ali se casaram e tiveram filhos e filhas dessas novas uniões. Durante mais de dez anos, longe de sua terra e de seus parentes nela enterrados, Aruká acalentou o sonho de poder voltar. Na aldeia dos Uru-eu-wau-wau, perguntava insistentemente aos brancos que ali passavam sobre a viagem à sua terra natal. Até que, em 2012, Aruká pôde retornar definitivamente para suas terras, onde descansavam seus antepassados.

Durante quase dez anos, até fevereiro de 2021, Aruká pôde estar com as filhas, genros, netas e netos de volta em suas terras, compartilhando com eles seus conhecimentos, sua vida e, por conseguinte, a vida de seu povo. Segundo os relatos das filhas de Aruká, na época do último ataque em que os Juma foram praticamente exterminados, o pai delas tinha por volta de 15 anos. Não é possível saber ao certo quando nasceu Aruká, mas essa informação talvez seja a mais segura para estimar a sua idade. Possivelmente, ele tinha pouco mais de 70 anos quando contraiu Covid-19 dentro de seu próprio território. Não estava com a idade tão avançada como se noticiou após a sua morte. Provavelmente, teria ainda muitos anos pela frente, que teriam sido fundamentais para que as crianças tivessem a oportunidade de conviver com ele e apreender sua história e seu legado.

Aruká foi enterrado na aldeia juma, junto de sua falecida esposa, como pediu às filhas que fosse feito. 

 

Pedro Cardoso, jornalista luso-angolano, registrou no portal  transdisciplinar e colaborativo Buala:

 

Aruká, o último guerreiro do povo Juma.

Os números não contam o choro da selva. Morreu o último Juma, o último guerreiro de um povo arrasado por pestes e pelos homens no que é hoje o Brasil. O velho Aruká não resistiu a este coronavírus que subiu os rios da Amazónia, desde a grande cidade até aos confins da sua maloca. A doença e vírus estranhos continuam a dizimar os indígenas da América Latina. Século após século, num ciclo interminável de descaso e solidão.

Foi na quarta-feira, 17 de fevereiro, quando Aruká se uniu aos antepassados do povo Juma. Não se sabe ao certo quantos anos tinha, “entre 86 e 90”, diz a BBC Brasil. Números que não importam muito, na verdade. Aruká era o último varão deste povo da Amazónia, no norte do Brasil. O coronavírus apanhou-o na sua aldeia isolada do mundo pestilento. Supostamente.

A pandemia que aterra o mundo foi mais uma para o velho líder de uma tribo que tinha 15 mil pessoas no início do século XX, segundo dados oficiais. Pouco a pouco, mas sistematicamente, os Juma foram sendo exterminados pelos vírus das gentes vindas da “terra dos brancos”. E pelas balas. Entre 1940 e 1964, conta a BBC, os massacres sucederam-se, com os interesses da borracha a metralharem a tribo. Nos inícios de 1990, apenas seis pessoas sobreviviam. Com a morte do ancião, restam três. A filha primogénita Borehá, assume agora a liderança do grupo, rompendo a tradição de cacique homem sucede a cacique homem. 

Durante décadas, Aruká escapou ao genocídio, mas a dor da alma fragilizava-o. “Ele era um guerreiro. Contava histórias das brigas com os seringueiros, de como, quando atacaram, o povo Juma fugiu ou atacou de volta”, conta à BBC o fotógrafo Gabriel Uchida. “Ele era forte, firme, mas sentia essa solidão, de ser só ele e as três filhas. Mesmo assim, continuava a praticar as coisas da cultura dele.” Esta força tornou-o numa figura incontornável para os povos da região, que o tratavam por amóe, um título honorável.

Em 1998, as autoridades levaram Aruká e a família para terras indígenas de um povo irmão, os Uru-eu-wau-wau, Foram tempos difíceis em que o velho guerreiro caiu numa depressão profunda. O exílio forçado arrastar-se-ia por dez anos. Em 2008, as autoridades deixaram os Juma regressar à terra ancestral.

Luciana França, professora de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará, acompanhou este regresso. Conta: “Pouco a pouco, e não sem alguma dificuldade, eles iam reconhecendo as curvas do rio Açuã e relembrando os caminhos por onde passaram. Enquanto desembarcávamos nossas coisas e preparávamos o acampamento, Aruká, sem demora, embrenhou-se na mata como se quisesse ver com os próprios olhos a terra que havia deixado para trás. Até a expressão quase sempre triste de seu rosto parecia mais aliviada. Quando foi para a terra dele, desabrochou.”

Para chegar ao território dos Juma, são cerca de quatro horas de viagem desde Porto Velho, estado brasileiro de Rondônia, até à margem do rio Açuã, seguidas de duas horas de barco. “Quando chegou”, continua Luciana França, “uma das primeiras coisas que Aruká fez foi ir até o local onde sua esposa estava enterrada. Ali, entoou seu ‘ajapyryty’, o choro ritual repleto de emoção para lembrar e homenagear os mortos. Na primeira noite em que dormimos lá, cada um na sua rede, acampando no mato, um começava a chorar. E outro chorava também.”

O velho Aruká lutou agora a última batalha, lado-a-lado com tantos índios brasileiros esquecidos pelo governo de Bolsonaro. Os números oficiais dizem que 567 indígenas morreram de coronavírus no Brasil. As associações dos povos nativos dizem que são 970. Num comunicado pela morte de Aruká, mostram uma revolta desmedida. Criticam o descaso “criminoso” do governo brasileiro pelo destino dos indígenas em época de pandemia. Sem receio, acusam: “O Governo assassinou-o”. 

Reagir e sobreviver.

A morte silenciosa destas comunidades no Brasil e na América Latina lembra uma história velha. A varicela e outras doenças trazidas pelos europeus, depois da chegada de Colombo, provocaram um esquecido holocausto indígena. Os números do genocídio alternam segundo a fonte, mas crê-se que, menos de duzentos anos depois da chegada de espanhóis e portugueses, os mortos ascendiam a 60 milhões. A maior causa de morte foram as doenças.

Em tempos de novas pestes, uma vez mais se expõe a vulnerabilidade destas gentes. Não são prioridade para os governos dos países “modernos” onde foram encaixotados. Mas os tempos são outros. Os indígenas já não esperam por governos e congressos e senados. Os indígenas latino-americanos atuam.

A própria aldeia de Aruká é um exemplo. Quando a pandemia se agravou, o povoado isolou-se. Qualquer visitante tinha de passar por um controlo à entrada, fazer um teste de coronavírus e entrar em quarentena. Este auto-isolamento replicou-se em múltiplas comunidades em toda a América Latina. Panamá, Guatemala, Chile e Argentina; México, Costa Rica, Peru e Nicarágua. Em todos os lados as aldeias indígenas fecharam-se sobre si mesmas para evitar a entrada de forasteiros infetados pela doença da moda.

As ações multiplicam-se e vão mais além do óbvio. Se os materiais informativos e de proteção não chegam ou são escassos, então há que produzi-los. Muito povos estão a criar os seus próprios panfletos nas línguas nativas, como descreve um relatório da Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas sobre o tema. As rádios comunitárias têm sido essenciais para difundir informação preventiva sobre a pandemia. Para visibilizar o efeito do coronavírus nas comunidades indígenas, os vários povos organizam-se para contabilizar os seus doentes e mortos. Uma achega importante, numa altura em que os governos constantemente os eclipsam das cifras oficiais.

Para combater a escassez de alimentos provocada pelo auto-isolamento, em vários países criam-se redes de cooperação e de intercâmbio direto de produtos. “O povo ajuda oi povo”, diz-se no Peru. E se não chegam medicamentos, as comunidades resgatam os conhecimentos da medicina tradicional. No Equador e no Peru, por exemplo, publicaram-se compêndios de receitas com ervas medicinais antigas. Alguns povos criaram até centros de armazenamento de plantas para elaborar as fórmulas que podem aliviar os sintomas dos seus doentes. Na Bolívia, as parteiras indígenas tomam um papel de destaque, já que as mulheres das aldeias remotas evitam os hospitais públicos onde o risco de infeção é maior.

Além do corpo, a chamada “defesa espiritual” é um dos eixos principais da ação contra o vírus que veio de longe. Entre os mapuches do Chile, as cerimónias e saudações refletem sobre questões como soberania alimentar, património sanitário ancestral e medicina tradicional.

Nada disto sai à luz num mundo virado para o próprio umbigo. Como sempre, os indígenas são sombras, os pobres que nem vale a pena recordar para não doer na consciência. Enquanto nas grandes cidades – as modernas, as evoluídas, as informadas – todos se fecham em casa esperando que tudo passe numa passividade doentia, os invisíveis reagem e atuam.  Não por serem diferentes. É que para eles, a paralisia não é um estado metafórico, é a morte em si mesma.

Salve a vida. Salve todos eles. Salve amoé Aruká! 

 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, registraram:

 

A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma.

É desoladora a morte por complicações de Covid-19 do último homem do povo Juma, o guerreiro Amoim Aruká. O povo Juma sofreu inúmeros massacres ao longo de sua história. De 15 mil pessoas no início do século XX, foi reduzido a cinco pessoas em 2002. Um genocídio comprovado, mas nunca punido, que levou seu povo quase ao completo extermínio. O último massacre ocorreu em 1964 no rio Assuã, na bacia do rio Purus, perpetrado por comerciantes de Tapauá interessados pela sorva e castanha existente no território Juma. No massacre foram assassinadas mais de 60 pessoas, apenas sete sobreviveram. Integrantes do grupo de extermínio contratados pelos comerciantes relataram atirar nos Juma como se atirassem em macacos. Os corpos indígenas foram vistos por ribeirinhos da região, após o massacre, servindo de comida para porcos do mato, inúmeras cabeças decapitadas espalhadas pelo chão da floresta. O mandante do crime, ciente do ocorrido, se vangloriou por ter sido o responsável de livrar “Tapauá dessas bestas ferozes”. Essa história jamais deve ser esquecida.

Aruká, um dos sobreviventes, continuou sua luta de resistência, vendo seu povo beirar o desaparecimento. Lutou pela demarcação do território Juma, que foi homologado apenas em 2004, a Terra Indígena (TI) Juma. Os sobreviventes Juma, apesar do risco de desaparecimento, viram seu povo crescer novamente na década de 2000, por meio de casamentos com indígenas Uru Eu Wau Wau, povo indígena também de língua Tupi-Kagwahiva.

Por estarem sujeitos a uma imensa vulnerabilidade e risco de desaparecimento, o povo Juma é considerado de recente contato e consta entre os povos a serem protegidos por Barreiras Sanitárias, cuja instalação foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal a pedido dos povos indígenas, de representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 709 (ADPF 709). O pedido foi feito em julho de 2020 e o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu. Porém, diante das dificuldades alegadas pelo Governo Bolsonaro, o ministro deu o prazo de até setembro de 2020 para que as Barreiras na TI Juma fossem instaladas. Em agosto de 2020 o Governo Bolsonaro disse que iria fazer a Barreira no rio Assuã, na REBIO Tufari, fora da TI Juma, seria uma Barreira Sanitária composta pela Polícia Militar e DSEI-Humaitá. No entanto, em dezembro do mesmo ano, afirmou que faria apenas um posto de controle de acesso na BR 230 – Rodovia Transamazônica, mas não comprovou o seu efetivo funcionamento.

Se o posto de acesso funcionou ou não, como vinha representantes da COIAB e APIB cobrando há meses nas Salas de Situação com o Governo Bolsonaro, já não importa mais para Aruká. O que se sabe, comprovadamente, é que ele agora está morto. É tristemente com seus mortos que os povos indígenas comprovam seus apelos. A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável.

Manaus, Amazonas, 17 de fevereiro de 2021.

 

Amazônia Real e o Blog Jovens Cidadãos da Amazônia

 

A agência Amazônia Real e o Blog Jovens Cidadãos da Amazônia comunicam, consternados, o falecimento do guerreiro Aruká Juma, por volta das 9h (10h em Brasília) da manhã desta quarta-feira (17), vítima de Covid-19 no Hospital de Campanha de Rondônia.

Aruká foi um sobrevivente do massacre de seringueiros aos Juma no igarapé do Onça Rio, no município de Tapauá, no sul do Amazonas, em 1964. No fim dos anos 80, conquistou o reconhecimento de seu território e virou um símbolo da luta e resistência dos povos indígenas da Amazônia.

Nosso profundo pesar às filhas: a cacica Borehá Juma, Maitá Juma e Madeí Juma; aos genros Erowak Uru-Eu-Wau-Wau e Puren Uru-Eu-Wau-Wau; aos netos: Bitaté, Puré, Kunhãvé, Kuaimbu, Kajubi, Thiago Tembu, Mborep, Morangüi, Tejuvi, Anaíndia, Poteí; além dos bisnetos, parentes e amigos.
Aruká Juma Vive!

 

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, registrou:

 

Aruká:

Guerreiro.

Venceu massacres, racismo e a destruição da Amazônia.
Ensinou que o canto da floresta é como as águas descendo o rio.
Rio que agora ele resolveu subir, para poder se encontrar com os Encantados.

 

Instituto SocioAmbiental (ISA), registrou:

 

Covid-19 mata Aruká Juma, último ancião de seu povo.

Aruká sobreviveu ao massacre dos Juma, na década de 1960, mas não resistiu ao novo coronavírus; entidades cobram responsabilidade da Funai


Morreu, nesta quarta-feira (17/2), o último ancião do povo Juma. Aruká Juma estava internado há cerca de um mês devido ao agravamento do quadro de Covid-19. Aruká deixa três filhas, Mandeí, Maitá e Borehá, além dos netos Bitaté, Puré, Kunhãvé, Kuaimbu, Kajubi, Thiago Tembu, Mborep, Morangüi, Tejuvi, Anaíndia, Poteí; bisnetos, parentes e amigos.

Aruká começou a apresentar sintomas ainda em janeiro e ficou alguns dias internado em Humaitá (AM). Em 26 de janeiro foi hospitalizado novamente e, no dia 2 de fevereiro, foi transferido para o Hospital de Campanha de Porto Velho (RO).

Aruká foi um dos sete sobreviventes do massacre no rio Assuã, no sul do Amazonas, em 1964. O ataque foi perpetrado por comerciantes de Tapauá interessados na sorva e na castanha do território Juma. Mais de 60 pessoas foram assassinadas, em mais um triste capítulo na história de sucessivos massacres que atingiram o povo Juma ao longo dos séculos.

No fim dos anos 1990, Aruká conquistou o reconhecimento de seu território e virou um símbolo de luta e resistência dos povos indígenas da Amazônia. Estima-se que no século XVIII existiam 15 mil indivíduos do povo Juma. A expansão das frentes extrativistas trouxe consigo a violência, e os Juma se viram reduzidos a poucas dezenas na década de 1960. Em 2002 restavam apenas cinco indivíduos: um pai com suas três filhas e uma neta. Os Juma são falantes de uma língua Tupi-Kagwahiva, a mesma dos povos Uru-eu-Wau-Wau, Amondawa, Tenharim e Parintitim.

O antropólogo Edmundo Peggion, que trabalhou com os Kagwahiva durante anos e esteve com os Juma em 1998, descreveu Aruká como um homem respeitado. “Um homem que detinha muito respeito. Uma pessoa séria, que carregava no semblante toda a experiência de sofrimento, e que trazia com ela a tradição Tupi-Kagwahiva”, afirmou.

Em 1998, os Juma foram transferidos para a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, onde as filhas de Aruká, Mandeí, Maitá e Borehá, se casaram com indígenas Uru-Eu. Anos depois, a família retornou à Terra Indígena Juma. Dois parentes de Aruká faleceram na TI Uru-Eu-Wau-Wau depois da mudança. Hoje, cerca de 17 indígenas habitam a TI Juma. Além de Aruká, outros sete Juma foram contaminados, mas estão em recuperação.

Para Jordeanes do Nascimento Araujo, Professor de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a morte de Aruká deve entrar na conta da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Essa contaminação é fruto de total negligência da Funai, que não tem até agora um plano de contigência”, disse. Ele critica o fato de o órgão não ter feito nada para impedir a contaminação de um grupo pequeno, de 17 pessoas. “É a continuidade do extermínio do povo Juma”, lamentou.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Observatório dos Povos Indígenas Isolados emitiram uma nota sobre o episódio.

 

Ministério Público Federal de Rondônia (MPF – RO):

 

Com pesar, o Ministério Público Federal (MPF) lamenta o falecimento da liderança indígena Aruká Juma, de 86 anos. Seu falecimento ocorreu nesta quarta-feira (17), às 9h, no Hospital de Campanha de Rondônia, em Porto Velho. Aruká estava internado desde o dia 2 de fevereiro na capital para tratar complicações em decorrência da covid-19. O sepultamento será na aldeia, em Canutama (AM). Assim que o MPF soube da necessidade UTI para o indígena, acionou a Secretaria de Estado da Saúde, que disponibilizou o leito no mesmo dia.

Na metade da década de 1960, o povo Juma quase foi extinto devido aos massacres que os demais parentes sofreram nas décadas anteriores por parte de seringueiros, madeireiros e pescadores no território, que fica margeado no rio Assuã, em Canutama (AM). Aruká era um dos sobreviventes da sua etnia. O indígena deixa três filhas, últimas pessoas da etnia Juma: Mandeí Juma, Maitá Juma e Boreha Juma.

 

Uruweuwauwau Costa, registrou nas redes sociais:

 

Não tenho palavras. Ontem, faleceu o Bepro Mentuktire, neto do mestre Raoni. Hoje, falece Aruká, último homem Juma. Aruká, era um símbolo de resistência, o último guerreiro Juma. Muito triste com todas essas perdas e com o desespero que bate. Como parar essa tragédia que se abate sobre as comunidades indígenas? Como parar as ameaças e garantir a integridade dos territórios indígenas que sempre existiram? A pandemia só acelerou a tragédia.

 

Aurelio Michiles, diretor de cinema:

 

A historia dos índios Juma ( Canutama-AM) não se difere de tantas outros povos amazônicos, sempre resistindo a invasão das suas terras pelos extrativistas. Mas, a tragédia desse povo se completou com a morte de um dos últimos de seus representantes: Aruká Juma, ainda jovem em 1960 presenciou e sobreviveu ao massacre acontecido contra o seu povo. Nessa semana, morreu vitima da Covid-19, internado num hospital de Lábrea. Precisou ser entubado, mas não havia UTI. Foi transferido em situação de emergência para Porto Velho. Não resistiu.

Mais uma bela história que se apaga em um Brasil à deriva.

 

Cida Falabella, vereadora do PSOL em Belo Horizonte (MG):

 

Não há palavras na nossa língua para descrever a perda que significou a morte de Aruká Juma, último ancião do povo Juma, nessa semana. Sobrevivente de uma tentativa de extermínio em massa em 1964, ele morreu eu decorrência das complicações da Covid-19, na última quarta (17/02).

Deixou duas filhas, as últimas da etnia Juma, que já chegou a ter entre 12 e 15 mil membros no século XVIII.

A má gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro faz parte de um projeto de extermínio dos povos indígenas que perdura há séculos. #BolsonaroGenocida!

 

Não deixem de ler também a reportagem de denúncia do portal “A Crítica”:

 

Morre de Covid-19 o guerreiro Aruká Juma (clique aqui)

Foto em Destaque: Gabriel Uchida/Kanindé/Amazônia Real

Fotos da Galeria: Gabriel Uchida/Kanindé/Amazônia Real; (IDEM); (IDEM); (IDEM); Odair Leal/Amazônia Real – 2014; (IDEM); (IDEM); Gabriel Uchida/Kanindé/Amazônia Real; Odair Leal/Amazônia Real – 2014; (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); Gabriel Uchida/Kanindé; (IDEM); (IDEM); Pedro Bentes/Kanindé; Reprodução//Pedro Cardoso/Buala; Odair Leal/Amazônia Real – 2014; (IDEM); Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau/Amazônia Real; Odair Leal/Amazônia Real – 2014; Reprodução//Internet.

Outras fontes consultadas

Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/morre-de-covid-19-o-guerreiro-aruka-juma/

https://amazoniareal.com.br/guerreiro-aruka-juma-luta-pela-vida-em-hospital-de-humaita/

https://amazoniareal.com.br/indios-juma-uma-historia-de-abandono-e-sobrevivencia-na-amazonia/ 

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

www.kaninde.org.br/aruka-juma-nota-de-despedida/

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato
https://apiboficial.org/2021/02/17/a-devastadora-e-irreparavel-morte-de-aruka-juma/

Ministério Público Federal (MPF)
http://www.mpf.mp.br/ro/sala-de-imprensa/noticias-ro/nota-de-pesar-pelo-falecimento-do-indigena-aruka-juma

Instituto SocioAmbiental (ISA)
https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/covid-19-mata-aruka-juma-ultimo-anciao-de-seu-povo

BBC
https://www.bbc.co.uk/news/world-latin-america-56161446

https://www.bbc.com/mundo/noticias-56191588

G1
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/02/18/apos-morte-do-ultimo-indio-juma-liderancas-associam-covid-19-com-exterminio-de-povos-indigenas.ghtml

https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2021/02/18/aruka-juma-veja-repercussao-da-morte-do-indigena.ghtml

Lucio Paiva Flores, 66

Terena

Lúcio Paiva Flores, liderança do povo Terena, infelizmente faleceu no último domingo, dia 10 de janeiro de 2021, aos 66 anos, por complicações da Covid-19. Ele nasceu em 22 de maio de 1954, na Aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados, Mato Grosso do Sul. Era uma importante liderança entre os Terena e demais povos indígenas do seu estado, e uma referência para o movimento indígena em escala nacional. Trabalhava há cinco anos na Assessoria do Controle Social da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), por isso atualmente morava em Brasília.

 

Conhecido carinhosamente como “seu Lúcio Terena”, deixou um grande legado para o Brasil e para a luta indígena, tendo colaborado ativamente na construção de diversas políticas públicas, tais como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), e a Política Nacional de Saúde Indígena. Atuou em diversas frentes de mediação de conflitos, e integrou a assessoria do Departamento Etnoambiental da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB). Também coordenou o Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI).

 

Graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência das Religiões, seu Lúcio Terena era escritor e pastor, com larga experiência em Serviço Social. É autor do livro “Adoradores do Sol: reflexões sobre a religiosidade indígena”. Foi um grande defensor da saúde indígena e da biodiversidade, da fauna e da flora nativas do território brasileiro. Tinha exímio conhecimento sobre plantas medicinais utilizadas pelos povos indígenas, e lutou contra a biopirataria, sobretudo na região amazônica. Também lutou pela inserção dos povos indígenas nas universidades públicas. Por muitos anos foi liderança indígena e política pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Representou o Brasil e os povos indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU) em várias ocasiões, sendo reconhecido pelo movimento indígena nacional como um diplomata nato, sempre sereno e comprometido com as pautas da luta indígena.

 

Com dona Matilde Madicai (Kurâ-Baikari) teve um filho, Lucio Yeruá, que assim relembrou a difícil perda de seu avô (pai de seu Lúcio): “Quando ele [avô] se foi, meu mundo caiu pela primeira vez. Senti a dor desse mundo, mas com todos os ensinamentos dele e com a força de todos me fortaleci e segui em frente”. Em seguida traduziu, em poucas e belas palavras, o sentimento do Brasil indígena e indigenista sobre seu Lúcio Terena: “Ele era respeitado por todos os lugares e por todas as etnias aonde ia. Sempre existia uma pessoa que o conhecia e sabia da história dele. Era sempre muito confiante de tudo e de si. Eu o via como uma inspiração, sempre contando histórias de viagens e reuniões, pelo Brasil e mundo afora. Sei muito bem o tipo de homem que ele era, uma liderança indígena, um professor, um pastor e um belo pai…”

 

Com dona Maria Eva Moreira seu Lúcio Terena teve duas filhas, Juliene Paiva Flores e Luciene Flores. Mais ou menos nessa época ele se converteu ao presbiterianismo. Nas redes sociais, Juliene expressou orgulho por ser filha de Lucio Flores: “Meu pai sempre foi respeitado pela sua liderança e articulação indígena”.

 

O estado do Mato Grosso do Sul abriga a segunda maior população indígenas do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). A população dos Terena é bastante numerosa, conforme informações do Instituto Sociambiental (ISA):

 

“Com uma população estimada em 16 mil pessoas em 2001, os Terena, povo de língua Aruák, vivem atualmente em um território descontínuo, fragmentado em pequenas ‘ilhas’ cercadas por fazendas e espalhadas por sete municípios sul-matogrossenses: Miranda, Aquidauana, Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Nioaque e Rochedo. Também há famílias terena vivendo em Porto Murtinho (na TI Kadiweu), Dourados (TI Guarani) e no estado de São Paulo (TI Araribá). […] Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de forma mais explícita, seja através das mulheres vendedoras nas ruas de Campo Grande ou das legiões de cortadores de cana-de-açúcar que periodicamente se deslocam às destilarias para changa, o trabalho temporário nas fazendas e usinas de açúcar e álcool.”

 

Graziele Acçolini, etnóloga especialista na temática do povo Terena, registrou em um artigo que as religiões cristãs predominam na região. A religião protestante, em vertente pentecostal, possui importância notável no universo simbólico e religioso dos Terena, e se tornou elemento integrante daquela sociedade.

 

 

Lúcio Yeruá, filho de seu Lúcio Terena, registrou:

 

Com todos esses anos de vida, mesmo que poucos, sempre pensei que teria essas duas pessoas, esses dois professores, esses dois orgulhos, na minha vida.

Mas tudo tem um começo, meio e fim. Dedico esta mensagem a esses dois melhores pais que tive, eles me ensinaram a andar, a conversar e a viver. Mas o melhor de tudo, me orgulharam. Eu sei que posso não ter sido o melhor neto e o melhor filho, mas esses dois me fizeram passar os melhores momentos da minha vida.

Primeiramente meu vô, que desde antes de eu nascer já queria me dar tudo de bom. Cuidava de mim com todas as forças. Me ensinava sobre a história de nosso povo. Mesmo que às vezes achando chato, eu sempre escutava com o maior respeito e atenção, ele tinha um respeito muito grande pela nossa comunidade. Nós o levávamos a lugares incríveis para que pudesse aproveitar, retribuindo tudo que ele nos deu. Quando ele se foi, meu mundo caiu pela primeira vez, senti a dor desse mundo, mas com todos os ensinamentos dele e com a força de todos me fortaleci e segui em frente.

Com o passar do tempo meu pai se tornou o pilar da família, era nele que depositávamos todos as nossas forças, escolhas e confianças. Ele era respeitado por todos os lugares e por todas as etnias aonde ia. Sempre existia uma pessoa que o conhecia, e a história dele. Era sempre confiante de tudo e de si. Eu o via como uma inspiração, sempre contando histórias de viagens e reuniões, pelo Brasil e mundo afora. Sei muito bem o tipo de homem que ele era, uma liderança indígena, um professor, um pastor e um belo pai, que mesmo nos desentendendo às vezes nunca nos separávamos. Como ele mesmo dizia, “somos amigos”, e essa amizade estará comigo para o resto da vida.

Sei que tenho uma responsabilidade enorme por ser filho dele, em todos os lugares do Brasil ele tinha uma história. Aprendi várias coisas com ele, o resto terei que aprender com o passar do tempo, tenham paciência, ainda tenho 17 anos. Não quero ocupar nem substituir o lugar dele, vou conquistar o meu com a ajuda desses dois pilares da família.

Mas hoje tenho que cuidar de quem está comigo e precisa da minha ajuda: minha mãe, irmãs, tia, e vó, além de uma sobrinha muito linda. Ainda não tenho forças suficientes para ser o pilar da família, mas nos uniremos e seguiremos em frente, sem arrependimentos. Uma vez ouvi uma frase muito significativa: “Uma pessoa não morre quando perde sua vida, ela morre quando é esquecida”. Então eles ainda estão vivos enquanto não esquecermos.

Obrigado por tudo meus dois pais.

 

 

Matilde Madicai, esposa de seu Lúcio Terena, complementou o filho:

 

Força, filho! Sei que o momento que estamos passando é muito dolorido e triste de saudades, mas ficaram muitas lembranças boas e alegres que tivemos juntos. Seguiremos em frente com a cabeça erguida, com todo o ensinamento que eles deixaram para nós. Eles sempre estarão em nossos corações.

 

 

Juliene Paiva Flores, filha de seu Lucio Terena, registrou:

 

Meu pai sempre foi respeitado pela sua liderança e articulação indígena. Em casa ele sempre foi um cara engraçado, se achava o gatão, lindão, magrão, lutador de boxe (no aquecimento para o banho). Gostava de se deitar no chão depois do almoço pra cochilar conosco, andava de mãos dadas comigo, era um amante da natureza e das pescarias, amava viajar, pé descalço sempre… Era uma alma livre, não suportou ficar preso a uma cama e a um respirador, se libertou como sempre fez, resolveu voar…

 

Vai pai, voa mais alto e mais longe!

 

E daí, onde estiver, levanta novas lideranças, inspire novos desafios. Nos veremos em breve. E que o Grande Itukoóvit te receba.

 

 

Rafael Pereira Brito, sobrinho de seu Lucio Flores, registrou:

 

É com tristeza que recebo hoje a notícia de falecimento por Covid-19 da liderança indígena Lúcio Paiva Flores, do povo Terena, de quem nunca deixei de me orgulhar, de me inspirar e, tão pouco, de chamar de tio.

 

Nascido na Aldeia Jaguapiru, na Reserva Indígena Federal de Dourados, em Mato Grosso do Sul, Lúcio Flores era graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência das Religiões.

Defensor da biodiversidade da floresta amazônica, detinha um conhecimento aprofundado das plantas medicinais utilizadas pelas tribos da Amazônia. Lutava pela inserção indígena nas universidades públicas e atuava assiduamente contra a biopirataria no Brasil.

 

Liderança indígena e política pelo Partido dos Trabalhadores (PT) representou o Brasil na ONU em diversas oportunidades. Compôs a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e, mais recentemente, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), onde atuava na linha de frente pela proteção dos povos indígenas durante a pandemia.

 

Lúcio estará com seu Nhanderu e nós com seu legado.

 

“Para nós, a majestade dos templos não está na imponência das suas construções ou nos seus detalhes artísticos, mas na serenidade dos nossos templos naturais: as matas, os rios, as cachoeiras, as montanhas. A nossa fé e prática religiosa se evidenciam diante da natureza, nos seus muitos mistérios e magias nos quais nos banhamos e nos aprofundamos” (O Mundo dos Separados – Lúcio Flores Terena).

 

 

Rocky Ribeiro, sobrinho de seu Lúcio Flores, registrou:

 

Hoje o sol não brilhou, os pássaros não cantaram, os risos se calaram e as lágrimas rolaram em meu rosto…

 

Meu coração sofre em silêncio ao saber que perdemos um guerreiro.

 

Vivenciou uma boa luta em sua jornada. O amor reinará para sempre e o carinho por ti também!

 

Luto, perdi meu tio.

 

Saúde Indígena em luto.

 

 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB):

 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) informa e lamenta profundamente o falecimento de nosso parente Lúcio Terena, ocorrido na noite deste domingo (10), em Brasília (DF), em decorrência da Covid-19.

 

“Seu Lúcio Terena”, assim chamado carinhosamente por nós, parente do povo Terena, da Terra Indígena Jaguapiru (MS), era escritor, teólogo, sociólogo e mestre em Ciência da Religião. Esteve conosco e com outras organizações indígenas em muitas lutas, era um diplomata nato. Cumpriu a missão e deixou legado, como a discussão e construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Assessorou o Departamento Etnoambiental da COIAB, coordenou o Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), concorreu à Vice-Coordenação da COIAB em 2013 e, atualmente, trabalhava na Assessoria do Controle Social da SESAI, em Brasília.

Estendemos nossos mais sinceros sentimentos a todo povo Terena, à sua esposa Matilde Bakairi, e aos seus familiares e amigos.

 

Nossa gratidão ao nosso GRANDE e INESQUECÍVEL GUERREIRO, SEU LÚCIO TERENA!

 

 

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB):

 

Nota de Pesar

 

A APIB está de Luto. Morreu no ultimo domingo, 10 de janeiro do corrente, vítima da Covid – 19, aos 66 anos, o líder Lúcio Paiva Flores. Lúcio Terena, como era mais conhecido, nasceu na aldeia Jaguapiru, no Estado Mato Grosso do Sul. Sociólogo e Mestre em Ciências da Religião, nos anos 90, quando morava em Cuiabá, estado de Mato Grosso. Fez parte da Diretoria do Conselho de Missão entre Índios (COMIN), depois mudou-se para Manaus – AM, onde trabalhou no Centro de Formação e no Departamento Etnoambiental da COIAB. Nos últimos 5 anos trabalhava em Brasília, na Assessoria de Controle Social da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).      

  

Lúcio deu valiosas contribuições ao movimento indígena. Destacamos, dentre elas, a sua participação nas lutas que povos, organizações e lideranças indígenas enfrentaram para tornar realidade a criação, em 2010, da SESAI, e na formatação e execução do Projeto Gestão Ambiental de Terras Indígenas (GATI) iniciativa que visava impulsionar, depois, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI).      

 

A APIB, que perde mais um de suas lideranças para o Novo Coronavirus, manifesta a todos os familiares de Lucio Terena as suas condolências e solidariedade fraterna. E que o Pai Tupã os conforte. Descansa em paz querido Lúcio Terena.   

           

Brasília, 11 de janeiro de 2021.

 

Marciano Rodrigues, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin-Sul):

 

A Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul comunica e lamenta profundamente o falecimento do grande companheiro de luta, LÚCIO FLORES TERENA.

 

Lúcio Terena foi um grande articulador de defesa dos direitos indígenas e um apoiador incondicional das organizações de base, entre elas a nossa Arpinsul. Sempre nos orientou e auxiliou no fortalecimento institucional, e em muitas ações voltadas às políticas públicas, principalmente às de desenvolvimento ambiental sustentável, gestão ambiental e territorial. Sua sabedoria sempre incidiu nas temáticas que deram caminhos para a autonomia e voz das populações indígenas.

 

Nós Povos do sul estamos muito triste com essa notícia da partida tão precoce do nosso guerreiro.

Mas fica um legado em nossas vidas, sua importante passagem aqui nesta terra, e marcada em nossos espíritos sua mensagem de paz, para continuarmos seguindo o caminho de amor e defesa dos nossos direitos.

 

Valeu companheiro Lúcio Terena.

Um dia todos encontraremos na Terra Sem Males!

 

 

Uma Gota no Oceano (RJ), registrou:

 

A nossa natureza perdeu mais um guardião. 

 

Lúcio Flores Terena, mais conhecido como “Seu Lúcio”, morreu na noite deste domingo (10), em Brasília (DF), em decorrência da Covid-19. Parente do povo Terena, da Terra Indígena Jaguapiru (MS), Lúcio era escritor, teólogo, sociólogo e mestre em Ciência da Religião. Ele conquistou o diploma lá na década de 1990, desbravando novos rumos para o seu povo e servindo de exemplo e legado. 

 

Suas contribuições para os povos indígenas do Brasil são diversas. Podemos destacar a atuação na Diretoria do Conselho de Missão entre Índios (COMIN); no Centro de Formação e no Departamento Etnoambiental da Coiab Amazonia; e na Assessoria de Controle Social da Sesai • Secretaria Especial de Saúde Indígena, onde trabalhou nos últimos 5 anos. 

 

Mais do que uma liderança atuante pelos direitos do seu povo, Lúcio era um museu vivo de conhecimento ancestral que sucumbiu à pandemia. Uma perda de patrimônio cultural e ancestral em um momento de descaso das autoridades competentes na proteção aos povos tradicionais. 

 

A equipe Uma Gota No Oceano reverencia Seu Lúcio, e conforta, mesmo à distância, familiares e amigos que sentem esta grande perda. Todos nós perdemos. 

 

 

The Nature Conservancy Brasil:

 

Com pesar, lamentamos o falecimento de Lúcio Flores, importante liderança indígena do povo Terena que lutou ativamente na construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI).

 

Lúcio trabalhou na TNC Brasil entre 2007 e 2011, coordenando a estruturação e implementação do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Seu trabalho dentro e fora da TNC foi essencial para ajudar a fortalecer jovens lideranças e instituições indígenas da Amazônia e de todo o Brasil.

 

Estendemos nossos sentimentos aos familiares e amigos de Lúcio, assim como ao povo Terena e às comunidades indígenas que sofrem com a perda de mais uma grade liderança em consequência da pandemia da COVID-19.

 

 

Henyo T. Barretto, antropólogo e professor da UNB, registrou:

 

Nossas vidas estão todas por um fio.

 

Depois da acachapante notícia do Marcos Guevara, hoje soubemos do falecimento, igualmente por Covid, ontem à noite, aqui em Brasília, do queridíssimo e sereno Lucio Flores Terena, cuja trajetória de incidência e luta política em defesa dos direitos indígenas, e da materialização destes em políticas públicas é tão gigantesca, que não cabe em uma postagem.

 

Abaixo uma foto/lembrança na qual ele aparece à direita, ao lado de Maurício Gonçalves Guarani, Romancil Kretãkaingang Kaingang e Iara Vasco Ferreira, em um painel no qual narraram a história da construção da PNGATI para uma turma de indígenas e servidores públicos da Mata Atlêntica sul/sudeste na ACADEBio – Academia Nacional da Biodiversidade; e a nota de pesar da SESAI, que nos tranquiliza em relação às tratativas relativas ao traslado do corpo.

 

Tristeza e dor imensas para todos que convivemos e trabalhamos com ele, testemunhas do seu saber e da sua serenidade.

 

A Matilde Madicai e seus filhos, meus mais sinceros sentimentos e forte abraço solidário, e para todo o povo Terena, junto ao qual será sepultado.

 

 

Luciane Ouriques Ferreira, antropóloga, registrou:

 

Gente… não dá pra acreditar numa coisa dessas!

 

Sinto muito, meu amigo Lucio Flores! Que tua partida para a aldeia dos teus ancestrais, seja leve!

 

Força aos parentes e ao povo Terena!

 

 

Alexandre Goulart, antropólogo, registrou:

 

Nosso querido Lucio Flores Terena faleceu em Brasília vítima de Covid-19. Uma perda para sua família, para o povo Terena, seus amigos e colegas e para o movimento indígena brasileiro e latino-americano.

 

Algumas lembranças da passagem deste colega querido por todos que tiveram a oportunidade de compartilhar de sua calma e conhecimento (na primeira foto, como nosso inesquecível amigo e colega Jorge Terena, outro gigante de sua etnia).

 

 

Leóson M. Silva, técnico de Enfermagem da DSEI-Dourados (SESAI):

 

Mais uma grande perda, um grande guerreiro, uma referência dentro do controle social, hoje lamentamos sua partida, desejo aos familiares muita força e que Deus conforte a todos, Lucio Flores descanse em Deus meu amigo, obrigado pelas orientações e apoio quando estava a frente na luta! Que Deus o receba!

 

Cacique Rony Pareci:

 

Prezada amiga Matilde Madicai, com dor no coração e tristeza pela partida do meu amigo e mestre Lucio Flores, venho dar minhas palavras de conforto e força a você amiga, bem como a todos os familiares.

 

Conheci este líder e mestre Lucio em 2000, ou seja, há 21 anos, quando trabalhava como coordenador do GTME, o qual passou a ser uma referência em vários aspectos de vida para mim… o qual peguei como balizamento de fazer a minha trajetória sociocultural, política e educacional. Foi graças este mestre que na capital Cuiabá conseguimos a primeira abertura para o ingresso de indígenas nas diferentes universidades e cursos, na qual fui contemplado na época. Através do GTME ele conseguiu bolsas estudantis, financeiro para manter os 12 jovens indígenas acadêmicos desta época.

 

Hoje sou muito grato pela contribuição significativamente desse mestre, qual legado perpetuará para mim e para muitos.

 

Todos nós somos passageiros nesta vida, qual neste ciclo devemos sempre fazer o bem e ajudar o próximo com dignidade e virtude, assim como Lucio fez nesta passagem dele neste mundo. As várias ações que fez em prol dos povos indígenas da família e dos amigos é o que nos fazem sentir essa imensa saudade.

 

Aqueles que partem para outra vida e que deixam aqui na terra exemplo, virtude, dignidade de pessoa, foram e sempre serão lembrados, enaltecidos. Isso significa que não morreram. Morrem aqueles que não são lembrados.

 

Já o mestre Lucio Flores Terena deixa saudades, deixa um legado de exemplo, de ser um líder autêntico, sereno e flexível, que fez sua trajetória de vida com o respeito e a simplicidade de um grande homem… por isso ele não morreu e sim fez eternizar o que foi a sua pessoa em nossas lembranças, memórias e saudades que nos motivaram a caminhar, como ele sempre fez quando estava aqui conosco.

 

DESCANSE EM PAZ MESTRE.

 

 

Kamuu Dan Wapichana:

 

Minha solidariedade ao povo Terena e à minha amiga Matilde Madicai, aos familiares e amigos.  Parente Lúcio Flores era liderança indígena que teve atuação em diversos momentos importantes do movimento indígena, entre eles destacando na elaboração e discussão da PNGATI, na COIAB em muitas organizações indígenas e por último na Sesai. Parente Lúcio é mais uma vítima da Covid-19, essa doença terrível que levou bons guerreiros.

 

Que os nossos ancestrais possam recebê-lo com suas honras. Que nosso criador conforte e fortaleça sua família sempre.

 

Kaimen manawyn, Lúcio Flores Terena!

 

 

Ewyryky Apurinã:

 

Querido Lucio, a primeira liderança mais antiga dos Terena que conversei quando cheguei em Brasília, no museu do índio, ainda tinha meus 22 anos de idade. Depois, junto com outras lideranças, seguimos para o CCB para nos hospedar. E durante a noite ele me contou muitas histórias de luta e principalmente da constituinte, junto com meu tio Leôncio Apurinã, umas das lideranças que também fez parte da discussão da constituinte de 1988.

 

Patrícia Naiara Kamayurá:

 

Meus sentimentos ao Povo Terena, a esposa e familiares do Lucio Flores!

Covid-19 fazendo suas vitimas!!

Uma liderança que esteve no Controle Social na Sesai lutando em prol da Saúde Indígena!

 

Yura Ni-Nawavo Marubo:

 

Descanse em paz mestre, liderança e cacique Lúcio Terena. Seu trabalho e legado em prol da formação indígena ficará em nossas memórias para sempre. A política nacional em defesa dos povos indígenas também fica órfã. Covid-19 maldita.

 

 

Obede Maricaua:

 

Minhas condolências aos familiares do Sr.Lucio Flores, que nos deixou esta madrugada. Grande profissional do controle social da saúde indígena que tive a oportunidade de conhecer, mais um dos nossos parentes que se foi e que Deus lhe receba no paraíso eterno.

FONTES

Foto em Destaque: Arquivo Pessoal de Lúcio Flores Terena  
Fotos da Galeria:  Arquivo Pessoal de Lúcio Flores Terena; (IDEM); (IDEM); Lúcio Yeruá; Juliene Paiva Flores; Arquivo Pessoal de Lúcio Flores Terena; Rocky Ribeiro; Juliene Paiva Flores; Arquivo Pessoal de Lúcio Flores Terena; (IDEM); (IDEM); Frederico Oliveira; (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); Henyo T. Barretto; Alexandre Goulart; Arquivo Pessoal de Lúcio Flores Terena.

Weytãg Suruí, 98.

Suruí Paiter

Weytãg Suruí, 98 anos, lamentavelmente, faleceu no dia 2 de Janeiro de 2020, em decorrência das complicações advindas da Covid-19. A anciã pertencia ao clã Kaban do povo Suruí Paiter e sobreviveu à chegada do novo coronavírus nos territórios indígenas, mas sucumbiu ao descaso e ao crime de responsabilidade com a saúde indígena no governo de Bolsonaro e de seu vice o general Hamilton Mourão. A matriarca chegou a ver, ainda na primeira onda da pandemia, Renato Suruí, um de seus sete filhos, falecer e ser enterrado antes mesmo do que ela poderia imaginar.

Weytãg Suruí foi casada com o labiway esagah (líder maior) Marimop Suruí, ele pertencia ao clã dos guerreiros Gameb do povo Suruí Paiter. Ambos foram testemunhas oculares e sobreviventes do sistemático genocídio promovido contra os povos Suruí Paiter e demais povos indígenas da região durante o contato com os colonizadores.  Weytãg morava na aldeia Apoena Meireles, na Terra Indígena Sete de Setembro (MT/RO). Os traços da pintura que marcavam sua face demonstravam a forte conexão com as antigas tradições do povo Suruí: a anciã praticava a costumeira arte do fiar e falava apenas o (Tupi-)Mondé.

Para que o seu amplo conhecimento sobre a medicina tradicional, a língua e a cultura da floresta fosse retransmitido às gerações mais jovens, as histórias e narrativas dos tempos dos antigos que por ela eram contadas dependiam da tradução feita por seus filhos. Apesar de manter fortes laços com o passado de seu povo, Weitãg não escapou do choque cultural advindo do contato com o mundo do branco, e frequentava a igreja fundada por missionários cristãos, chegando a gravar algumas músicas cristãs na própria língua Mondé.

Sem dúvida, a morte de Weitãg é uma grande perda para todos os povos da floresta. Além de ser uma importante conhecedora e liderança do povo Suruí Paiter, Weitãg personificava e incorporava os seculares desafios simbólicos e materiais que foram e ainda são enfrentados por numerosos povos indígenas no Brasil, cujas vidas se dividem em, pelo menos, dois mundos que são extremamente diferentes.

Segundo Fabiano Maisonnave do jornal Folha de São Paulo (FSP), o cacique Almir Narayamoga Suruí, 46 anos, atual labiway esagah dos Suruí e também importante liderança no movimento nacional dos povos indígenas no Brasil, ressaltou que o “contato sempre foi um desafio pro nosso povo. A geração da minha mãe nos orientou a chegar até aqui para que a gente pudesse compreender a diferença da cultura e sobreviver dentro dessas diferenças”.

A reportagem da FSP traz também o relato do neto de Weytãg, Rubens Suruí, 31 anos, através do qual ele fala da importância de sua vó: “Para nós, a minha avó é uma pessoa de conhecimento. Não somente na área de ervas tradicionais, ela também nos aconselhava. Foi uma pessoa sensacional”.

 

Um breve contexto histórico sobre os Suruí Paiter.


Segundo informações do Instituto Socioambiental (ISA) a TI Sete de Setembro dos Suruí Paiter abrange parte dos municípios de Cacoal (Mato Grosso) e de Aripuanã (Rondônia) e é “banhada pela bacia do Rio Branco, afluente do rio Roosevelt, que se forma a partir da junção dos  rios Sete de Setembro e Fortuninha. Os principais afluentes do rio Branco que drenam a área são o Ribeirão Grande, rios Fortuninha e Fortuna, na margem direita. Na margem esquerda há os rios Igapó (nomeado pelos Paiter), rio São Gabriel e outros sem denominação em carta topográfica do IBGE” (ISA). O idioma originário pertence ao grupo Tupi e à família linguística Mondé.

O contato com os não indígenas acarretou inúmeras transformações sociais e culturais entre os Paiter. No entanto, os Suruí jamais deixaram a cultura de seu povo ser anulada frente a essas intensas modificações provocadas pelo contato com o mundo do branco. Até hoje eles são, reconhecidamente, vistos como um povo guerreiro, que lutou pela demarcação de seu território e que continua a lutar por políticas públicas etnicamente diferenciadas.

Ainda segundo os dados do ISA, os primeiros contatos dos Surui Paiter com a sociedade nacional foram a partir do século XIX, que provocaram constantes ciclos emigratórios e fugas da perseguição dos não-indígenas. Ao final desse mesmo século, com o Ciclo da Borracha, veio também a construção da estrada Madeira-Mamoré, bem com as linhas telegráficas de Rondon. Aumentando os deslocamentos forçados dos povos indígenas nessa região – o que acarretou não só em mudança de territórios, como em mortes e disputas por territórios entre diferentes grupos indígenas.

Esse “mau encontro” se efetivou de modo ainda mais intenso, sobretudo, a partir de meados do século XX com um novo ciclo da Borracha, com a chegada da mineração (cassiterita) e também com a chegada de fazendeiros que invadiram a região, numa expansão das fronteiras de colonização que foram impulsionadas pela Ditadura Militar (1964-1985).

Até a década de 60 a violência cometida pelo Estado brasileiro se dava através da negligência, da omissão e do descaso com os Suruí Paiter. Porém, a partir da Ditadura Militar, a violência se torna uma política promovida pelo Estado brasileiro e para essa região, podem-se destacar: a construção da BR-364/Cuiabá-Porto Velho, e sua pavimentação posterior com a chegada do Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste).

Este Programa, financiado pelo Banco Mundial, criado por um decreto em 1981, tinha como principal objetivo a promoção de uma maior integração entre as regiões do país. Desse modo, era um projeto que, supostamente, levaria o desenvolvimento e o progresso para as regiões mais remotas através da criação de estradas que davam acesso a lugares que, na época, eram inacessíveis, e mantinham ali apenas a presença dos povos indígenas. Apesar dos Paiter Suruí terem sido contatados somente em 1969, a invasão de seu território por não-indígenas fez arrastar o processo de “demarcação” e “desmarcação” da sua terra pelo Estado brasileiro, que só veio a ser concluído e homologado em outubro de 1983.

 

Almir Suruí, filho de Weytãg, registrou:


Muito triste, saudade, minha mãe… te amo!!

 

Janete Suruí, atual esposa de seu Almir Suruí e nora de Weitãg, registrou:


Minha sogra Weytãg Suruí, faleceu no dia 2 de janeiro e está fazendo muita falta. Weytãg, minha querida sogra, foi uma mulher muito guerreira e lutou por muitas coisas e trouxe benefícios para todo o nosso povo. E esta saudade dela vai ficar pra sempre e eterna. Sei que agora o coração dói, mas reconforta saber que ela está num lugar ainda mais bonito.

 

Oypagoemagad Suruí, neto de Weytãg, registrou:


Vó, você está com Deus agora e eu fico feliz por isso. Mas a senhora deixou saudade eterna aqui dentro de mim.

 

Kanindé – Associação de defesa socioambiental:


Com muita tristeza comunicamos o falecimento da anciã Weitãg do povo Paiter Suruí. Guerreira indígena sobrevivente do contato, ela era uma grande biblioteca do universo Tupi Mondé.

Nossos profundos sentimentos ao povo Paiter.

 

Ivaneide Cardozo:


Weytã Suruí faleceu ontem de Covid-19, não tenho palavras para expressar essa dor.

 

Denise Zmekhol:


Weitãg died of Covid. The Surui people and the world lost a beautiful elder who had yet many stories to tell us.

 

Silvia Guimarães:


Meus sentimentos a todos pela perda dessa matriarca Kaban, que muito ensinou com suas palavras, conselhos, expressões. Fez histórias, viajou para o mundo e mostrou para que veio, exerceu seu legado e deixa seu exemplo. Cumpriu sua missão nesse plano e continuará sua missão em um outro nível na espiritualidade. Que nosso pai maior possa confortar a todos familiares nesse momento de separação e dor. Com muito carinho, amor, gratidão e respeito deixo meu abraço de conforto a todos.

 

Erika Bányai:


Que perda inestimável para seu povo, perda inestimável para a Memória dos povos indígenas de todo o mundo. Meus sinceros sentimentos de tristeza e de solidariedade.

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução//Facebook, página da Associação Metareilá.
Fotos da Galeria: Jürgen Vogel; Reprodução//Facebook, página da Associação Metareilá; Arquivo pessoal de Almir Suruí; Jürgen Vogel; Reprodução//Facebook, página Os Paiter Suruí; Children of the Amazon; Arquivo pessoal de Celso Lamitxab Surui; Jürgen Vogel; Arquivo pessoal de Almir Suruí; IDEM; Arquivo pessoal de Ivaneide Cardozo; Arquivo pessoal de Almir Suruí; IDEM.

 

Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/01/testemunha-de-genocidio-ancia-indigena-morre-com-sintomas-de-covid-19.shtml 

Children of the Amazon

https://www.childrenoftheamazon.com/about-the-film/characters/

https://www.facebook.com/denise.zmekhol/posts/10158958455260699


Associação Metareilá (Facebook)
https://bityli.com/SBYVa


Os paiter Suruí (Facebook)

https://bityli.com/nMNVg 

Instituto Socioambiental
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Surui_Paiter

Alípio Xinuli Irantxe, 81

Manoki

Paresi Haliti Waimare, registrou:

 

Uma das vozes mais conhecidas da região partiu deste mundo, vítima da Covid-19, no dia de hoje, 24 de dezembro de 2020, depois de vários dias internado no hospital em Cuiabá.

Alípio Xinuli Irantxe do povo Manoki, foi a primeira vítima a se contaminar desse mal que assombra o nosso povo e toda a humanidade.

Seu Alípio, 81 anos, viveu muitas, mas muitas histórias mesmo em nossa região. Sua trajetória de luta foi marcada por desafios e conquistas. E mesmo aos 81 anos, ainda estava na luta pela preservação da cultura Manoki. Foi um exímio tocador de flautas.

Seu Alípio deixa filhos, netos e bisnetos e um legado gigantesco de bravura. Passou por diversas dificuldades, em uma delas enfrentou a epidemia de sarampo que quase extinguiu o seu povo. Vai em paz seu Alípio, vai nos fazer falta. Mas, sabemos que foi viver na aldeia Celestial, junto de seus filhos e esposa que por lá, já estão. Foi se encontrar seu amigo e irmão Xinhama que pegou a mesma doença, mas foi levado primeiro, como vítima fatal desse mal.

Temos certeza que o senhor já está junto de Inuli (Deus).

 

Poriciwi Wai Wai, 80.

Waiwai

“Biblioteca da Selva – Poriciwi Wai Wai, a memória de um povo e o enterro na aldeia* – biografia feita por Ruben Caixeta de Queiroz.

 

A pandemia forçou muitos a ficarem em casa, mas outros, para trabalhar, precisaram sair às ruas – ou voltar à roça. Foi o caso da diarista Edilene Penha de Almeida da Silva, que após perder o emprego na cidade teve que buscar trabalho numa lavoura de café. A crise fez evaporar num relance as suas conquistas, exigindo que ela retornasse a um mundo do qual tinha bravamente escapado.

Para o indígena Renato Poriciwi Wai Wai, as coisas aconteceram de forma contrária. Graças ao seu filho arqueólogo, ele conseguiu rever depois de décadas a terra onde nasceu e da qual foi forçado a sair com seu povo. Havia poucos sinais da aldeia antiga no local, mas a visita foi um grande momento de felicidade para Poriciwi, antes de ele ser levado pela Covid-19.

                                     ***

Conheci Jaime Xamen Wai Wai quando visitei sua aldeia na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, no Noroeste do Pará, para uma pesquisa do meu doutorado em antropologia e cinema, em 1994. Era um garoto de 8 anos, baixinho para sua idade, risonho e curioso. Logo que me viu, ele perguntou na sua língua: “Ahtono ewto pono amoro?” (Em qual aldeia você mora?). A minha aldeia era Belo Horizonte.

Xamen me procurou 24 anos depois para que eu o orientasse numa dissertação de mestrado em arqueologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde dou aulas. Ele já estava casado, era pai de uma menina de 5 anos, mas preservava o olhar cheio de curiosidade da infância.

Fiz duas perguntas a ele antes de aceitar o encargo de orientador: “Por que você veio para uma cidade tão distante da sua aldeia? E por que procurou a mim, que não sou arqueólogo, e sim etnólogo?” Xamen me respondeu que queria um orientador que conhecesse o seu povo, sua história e a paisagem onde ele vive, porque, assim, “ficaria mais fácil conversar e explicar sobre os lugares de que gostaria de falar”. E, respondendo à segunda pergunta, disse que optara pelo meu nome porque seu trabalho não seria de arqueologia tradicional. “Não quero escavar a terra para ver os restos do meu povo, quero só ver onde estavam as aldeias antigas do meu pai, contar sua história e sobre o tempo presente ao lado dele”, explicou.

Xamen havia feito o curso de graduação em arqueologia na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, e ali já intuíra que tipo de trabalho “arqueológico” gostaria de realizar. Estava relacionado com o que lhe dissera certa vez seu pai, Renato Poriciwi Wai Wai, quando Xamen lhe perguntou onde estava enterrada sua avó. “Eu levo você até lá e mostro o lugar da aldeia dela, mas não quero que desenterre a minha mãe. Ela não deve ser perturbada. O espírito dela já deve estar tranquilo, vivendo num lugar encantado.” Com o termo “espírito” (ekatï), Poriciwi se referia à parte que abandona o corpo quando a pessoa morre.

Foi assim que Xamen começou a pensar em outro tipo de “escavação”, em outra forma de falar da história de seu povo, sem desenterrar corpos, buscando nos relatos de seu pai os fundamentos para a dissertação de mestrado iniciada em 2019, que ele intitulou provisoriamente de “Lugares dos Waiwai antes do contato: reconstruindo a história através da arqueologia, da etnografia e da memória”.[1]

Depois de Xamen, que hoje tem 34 anos, foi a vez de seu sobrinho Roque Yaxikma Wai Wai, seis anos mais novo, me procurar, em 2019, para também fazer mestrado em antropologia na UFMG. Quando estão em Belo Horizonte, eles se hospedam em casas de amigos, inclusive na minha e na do arqueólogo Igor Morais Mariano Rodrigues. Como esperado na relação tio-sobrinho entre os índios waiwais, os dois passam o tempo todo em pequenas rusgas, quase sempre bem-humoradas, um tentando desbotar o brilho do outro ou menosprezar sua opinião. Mas estão ambos empenhados nesse objetivo comum que é estudar a história do povo Waiwai e contá-la “para o branco”, como dizem. E pretendem um e outro se estabelecer em sua aldeia, para proteger o território e manter vivas as tradições.

Os Waiwai fazem parte de um conjunto de povos (entre os quais, Tunayana, Xereu, Hixkaryana, Katuwena e Wayana) que vivem na fronteira entre Brasil, Guiana e Suriname. Entre o final do século XIX e o início do século XX, foram quase exterminados por epidemias levadas pelos colonizadores. Mas conseguiram sobreviver, formando comunidades multiétnicas e multilinguísticas. Hoje somam cerca de 6 mil pessoas e habitam 54 aldeias numa grande área na Floresta Amazônica, dividida em três terras indígenas chamadas oficialmente de Nhamundá-Mapuera, Trombetas-Mapuera e Kaxuyana-Tunayana. Em 2019, esses povos resolveram criar por conta própria um conselho e deram ao conjunto das três áreas o nome de Território Wayamu, ou Jabuti, réptil que consegue sobreviver durante meses no interior da mata, sem comida e sem água – um bicho obstinado e resistente.

 

Em janeiro último, Xamen concebeu e liderou uma expedição até o local onde seu pai nasceu e sua avó foi sepultada, na divisa de Roraima e Pará, quase na fronteira com a Guiana. Participei dessa expedição com mais vinte pessoas: Xamen, seu sobrinho Yaxikma, seu pai, Poriciwi, com cerca de 80 anos, a mulher dele, Lea Wahciki Wai Wai, em torno de 70 anos, e uma grande parte da família (genros, noras, filhas e netos), além da antropóloga Leonor Valentino de Oliveira e do arqueólogo Igor Morais.

Partimos da aldeia Mapuera, localizada no coração do Território Wayamu. Coubemos todos em três canoas, duas movidas a motor de popa e uma a motor de rabeta, que seguiram rumo ao Norte, subindo para as cabeceiras do Rio Mapuera, na direção da Guiana. De tempos em tempos, parávamos em algum ponto marcante da paisagem para observá-lo: uma ilha, um lago, uma boca de rio, uma pedra, uma serra. A cada parada, Poriciwi nos contava algo sobre a história dos waiwais e as entidades cosmológicas que habitam os lugares. Fazia muito tempo que ele não voltava à região onde haviam se estabelecido seus ascendentes, numa aldeia chamada You (buriti).

Poriciwi, um homem muito alegre e generoso, exímio artesão, tinha sido um grande namorador na juventude e gostava de se lembrar dos vários casos amorosos do passado. Ele conhecia cada detalhe do que nós chamamos de “paisagem”, mas que para os indígenas significa mais que isso: é o espaço onde habita uma multiplicidade de viventes, seja pessoas-animais, seja pessoas-plantas.

Certo dia, nós nos deparamos com uma ilha rochosa onde havia uma única e pequena árvore. Poriciwi a reconheceu: a pessoa-árvore estava lá desde que ele era criança, havia mais de setenta anos. Debaixo da ilha, ele nos disse, moravam seres mágicos. Era ali que o xamã de sua aldeia mergulhava para obter as pedras para os rituais de cura e outras práticas. Pirimaw Wai Wai, um dos dois genros de Poriciwi na expedição, então mergulhou nas proximidades da ilha e apanhou algumas daquelas pedras para nos mostrar. Depois as devolveu ao fundo do rio – para os seus donos.

No quinto dia de viagem, Poriciwi reconheceu o lugar onde as pessoas de sua aldeia tomavam banho e pescavam. Desembarcamos, mas ele não conseguia identificar o lugar exato da aldeia, apesar de sua boa memória. A vegetação nativa crescera sobre os locais onde os indígenas haviam feito, no passado, o terreiro e seus roçados. Sabíamos, porém, que estávamos bem perto do local. Pirimaw, que nunca tinha estado lá, mas era exímio conhecedor da floresta, comentou: “Aqui é o caminho para a roça… Essa espécie só nasce em capoeira… Essa outra só cresce perto daquela, em local onde tiver tido roça… Aqui está o carvão, que acompanha o tronco caído no chão…” Por fim, encontramos o local exato da aldeia You, depois de investigarmos uma dezena de lugares onde houvera outras no passado, todas elas abandonadas.

Embora cansado, Poriciwi reanimou-se durante a estadia na antiga aldeia: andava para lá e para cá, ria, brincava, lembrava histórias de sua infância e acontecimentos míticos. Disse que ele e seu povo haviam sido felizes naquele lugar, onde não existia não indígenas e nada se sabia sobre o mundo dos brancos. Havia, sim, doenças, mas contou que se conheciam todos os remédios para curá-las.

Cerca de setenta anos atrás, Poriciwi e sua família saíram daquela aldeia e foram para a Guiana, dando ouvidos a missionários evangélicos norte-americanos que lhes disseram haver por lá uma vida boa e edênica. Todos os membros da aldeia partiram, mas com o propósito de voltar – o que nunca fizeram. Primeiro, se instalaram na Guiana, no entorno da aldeia Kanashen, que era a base de uma missão evangélica. Depois, dispersaram-se e fundaram novas aldeias no Pará, em Roraima e no Suriname. Nunca abandonaram, porém, o sonho de um dia retornar à aldeia de seus antepassados, situada num lugar muito remoto e de difícil acesso.

Xamen ouvia tudo que contava seu pai, anotava, gravava, pois queria recontar essa história a partir dos relatos dele, feitos “ao vivo” e naquela paisagem. O estudante estava pondo em prática a sua arqueologia sem escavação: era preciso apenas ouvir o antepassado, ver a floresta, distinguir suas diferentes composições, reconhecer os vestígios antigos e retraçar as linhas que os ligam ao presente. Era uma arqueologia indígena. Uma arqueologia viva.

“Por que voltar tão depressa?”, perguntou Poriciwi quando chegou o momento da partida. “Por que vocês estão me levando embora? Eu quero ser enterrado aqui, na minha terra.” Depois de vinte dias de expedição, chegamos de volta à aldeia de Poriciwi na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, situada a cerca de 600 km de barco de Manaus e a mesma distância da capital de Roraima, Boa Vista.

 

Pouco tempo depois, a Covid-19 começou a se espalhar pelo Brasil, atingindo fortemente a região Norte do país. No fim de março, Roraima confirmou os primeiros casos. Em abril, o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso.

Em 15 de maio, Poriciwi apresentou sintomas da doença: tosse e dificuldade para respirar. No dia 22, foi levado para o posto de saúde da cidade de Oriximiná, no Pará. De imediato, os médicos recomendaram que fosse transferido para um hospital em Santarém. Contudo, havia dois outros pacientes graves à espera da mesma transferência, e Poriciwi só pôde ser levado em 26 de maio. No Hospital Regional de Santarém, foi internado numa UTI. Seu estado de saúde, no entanto, piorou dia após dia. Na noite de 5 de junho ele morreu.

Durante todo o tempo em que seu pai esteve no hospital, Xamen o acompanhou, mas sem poder vê-lo ou tocá-lo. Em Belo Horizonte, eu ficava a imaginar essa situação tão dolorosa. Na mesma noite da morte de seu pai, Xamen me ligou, por volta das 22 horas. “Ruben, me ajuda a levar o meu pai para ser enterrado na aldeia”, ele pediu, aos prantos. Queria seguir a tradição do seu povo e enterrar o corpo do pai em sua aldeia – não a da infância de Poriciwi, mas aquela onde ele passou seus últimos anos.

Para os waiwais, assim como para outros povos indígenas, é muito importante que o ritual funerário seja executado com o devido cuidado, pois é o momento em que o espírito se tranquiliza e se apronta para seguir rumo a outro patamar cósmico – deixando em paz e sem sofrimento os parentes e outros viventes da Terra.

Comecei a fazer ligações e disparar apelos. Liguei para um funcionário da Casa de Saúde Indígena (Casai) da cidade de Oriximiná, no Pará. “Desculpe-me, mas não posso fazer nada”, me disse o homem. “É norma da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e do Ministério da Saúde: o corpo deve ser enterrado na cidade de Santarém, conforme o protocolo da Covid-19.”

Telefonei, então, para o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins (Dsei), responsável pela saúde indígena na região entre Leste do Pará e Maranhão, e tentei convencê-lo a transladar o corpo para a aldeia. Sabia que devia agir rápido, pois tinha ouvido falar que a situação sanitária estava um caos e que nos hospitais do Pará corpos estavam sendo enterrados sem que as famílias soubessem onde.

O coordenador do Dsei, porém, não quis atender de imediato o meu pedido. “Não vamos levar o corpo para a aldeia, é muito arriscado, podemos espalhar o vírus.” E me relatou casos de indígenas que teriam tirado o corpo do parente de dentro do caixão para enfeitá-lo, conforme o seu rito funerário, desrespeitando assim os protocolos sanitários. Retruquei: “Não sei nada sobre esses casos, mas sei que os waiwais não vão proceder dessa forma, pois as suas lideranças me asseguraram que irão modificar o rito para cumprir o protocolo da Covid-19.” O coordenador não cedeu. “Não, não posso permitir”, ele concluiu.

Não consegui dormir. De madrugada, tomei coragem e liguei para o procurador do Ministério Público Federal, em Santarém, Gustavo Kenner Alcântara. Ele me atendeu de forma solícita e disse que, embora fosse um pedido difícil, tentaria ajuizar uma ação para que o corpo fosse levado para a aldeia.

Passei toda a manhã do dia 6 de junho ligando para lideranças indígenas, perguntando se todos estavam de acordo com a ida do corpo e cientes dos riscos que isso representava para a população indígena. Todos os líderes me confirmaram estar sabendo dos perigos e que tomariam as providências para enterrar seu parente com cuidado. Eu lhes sugeri: “Então vocês precisam se mobilizar, porque os responsáveis pela saúde indígena dizem que o corpo vai ficar em Santarém.”

Por volta de meio-dia, recebi a notícia de que o Ministério Público Federal tinha, finalmente, elaborado um protocolo para o translado, depois de entrar em acordo com o coordenador do Dsei. O protocolo proibia a abertura do caixão, que pessoas tocassem no corpo de Poriciwi e que houvesse aglomeração durante o rito funerário. Os encarregados do sepultamento deveriam estar munidos obrigatoriamente de máscara e luvas.

Na tarde do mesmo dia 6, o corpo foi levado numa aeronave até a aldeia Mapuera. Lá, apenas dois genros de Poriciwi (na cultura waiwai, esses familiares são as pessoas designadas para preparar o ritual funerário), protegidos por máscaras, capas de plástico e luvas, receberam o caixão. Sem abri-lo, levaram-no para o sepultamento, que não foi feito dentro da casa de um parente, como seria o costume, nem teve a presença e o pranto da família, mas pôde ocorrer, enfim, na aldeia. Um filho de Poriciwi, Fernando Makari Wai Wai, de 57 anos, não teve o mesmo destino: apesar dos protestos de seu povo, ele foi enterrado num cemitério de Boa Vista, após morrer de Covid-19, em 4 de julho.

A subnotificação de casos de Covid-19 é mais um dos indicadores da péssima gestão da pandemia pelo governo e está ocorrendo também em relação aos indígenas. Por isso a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) tem feito um imenso esforço para levantar o número de vítimas. Segundo essa importante organização, entre 155 povos afetados havia 28 mil casos positivos e 731 mortos até 26 de agosto. Entre as vítimas, estão professores, lideranças, rezadores e idosos conhecedores da história dos povos.

Quando morre um ancião, parte significativa do conhecimento de uma aldeia também morre, o que coloca em risco a continuidade de todo um modo de vida. No caso de Poriciwi, contudo, uma coisa é certa: parte da tradição de seu povo e de sua sabedoria foi transmitida a seus descendentes, em particular na expedição à aldeia original.

Mesmo assim, ainda não sei como Xamen dará prosseguimento à sua pesquisa de mestrado nem se conseguirá levar a cabo uma arqueologia indígena sem a ajuda da biblioteca que era seu pai. Espero que consiga e que a vida de Poriciwi possa servir de exemplo às gerações futuras sobre a importância de preservar o seu passado e manter em pé sua floresta, onde ainda vivem imantadas as pessoas, as pessoas-animais e as pessoas-plantas, apesar da voracidade dos predadores, que hoje são legião no Brasil.

[1] Para a nomenclatura dos povos indígenas e sobrenomes, foi adotado neste texto o padrão do Quadro Geral dos Povos do Instituto Socioambiental (ISA). “Waiwai” quando se trata de povo ou aldeia (como “Brasil”); os waiwais quando se refere à população em geral (como “os brasileiros”); “Wai Wai” quando diz respeito ao sobrenome.

* O texto dessa biografia foi publicado originalmente na Revista Piauí; Edição 168 de Setembro de 2020.

FONTES

Foto em Destaque: Ruben Caixeta de Queiroz

Fotos da Galeria: Ruben Caixeta de Queiroz; Reprodução // Página da Associação dos Povos Indígenas do Mapuera – APIM; Arquivo Pessoal de Jaime Xamen; Arquivo Pessoal de Walter Powci; Arquivo Pessoal de Cerdiane de Oliveira.

 

Piauí

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/biblioteca-da-selva/

Hàraxàre Krokti, 58

Gavião Akrãtikatêjê

“Acredito que a passagem dele pela Terra, por aqui, foi muito boa, importante, porque ele deixou um legado de luta, de mostrar como é ser Gavião.” – (Madson Gavião)

 

Hàraxàre Krokti, Seu Matias, 58 anos, nascido em Tucuruí-PA, será sempre lembrado por sua luta, força e sabedoria. 

 

Durante vida, Matias carregou consigo a resistência e os conhecimentos que pautaram ao longo dos anos a luta dos Gavião-Akrãtikatêjê, seu povo. O enfrentamento constante às violências e aos inúmeros confrontos vividos, sejam esses a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí – que os expulsou violentamente de suas terras -, as linhas de transmissão da Eletronorte ou as invasões ilegais de posseiros, fizeram com que a luta fosse constante. 

 

Nas palavras de seu filho, Madson Gavião, Seu Matias era admirado não só por sua força, por suas falas sempre firmes e por sua luta pela comunidade, mas também pelo forte empenho em resguardar a cultura e os conhecimentos sobre os Gavião. Nos últimos tempos, se dedicou a ser cinegrafista da comunidade, memorizando, por meio do audiovisual, as longas festas culturais que participava. Depois, mergulhou-se no trabalho como professor cultural, reunindo anciãos para, em cada comunidade, jogar flecha, compartilhar e ensinar história e os saberes da cultura Gavião. Para Madson, o pai “sempre lutou pela educação, educação indígena, educação diferenciada, implantada nas comunidades”.

 

Seu Matias acumulava admirações: era grande corredor de tora, ilustre arqueiro, guerreiro, caçador, que buscava sempre, para seus filhos e todos da comunidade, ensinar sobre os animais, plantas e arte da caça. Era também vigilante, responsável por comandar grupos que combatiam posseiros de terras e invasores na Terra Indígena. Combatente de inúmeras formas, defendendo sua terra, seu povo e as raízes dos Gavião-Akrãtikatêjê que o guiavam. 

 

Raízes essas que continuarão a ser fortalecidas, mantidas e cuidadas, mesmo após a partida de de Seu Matias, que nos deixou no dia 12 de outubro de 2020, em Teresina, devido a complicações decorrentes da Covid-19.  Nas palavras de Madson, o pai será sempre lembrado, e os conhecimentos que possuía serão um legado do exemplo vivo do que é ser Gavião. 

 

Em sentimentos à família e à todo povo Gavião. Em agradecimento ao Madson, que participou integralmente da construção dessa homenagem. 

 

Homenagem de Vincent Carelli

 

Estou arrasado com a partida do meu aluno, amigo e compadre Matias do povo Gavião. Meus sinceros sentimentos a toda a família. Ele estará mandando seu recado no filme Adeus Capitão, fazendo uma crítica precisa e profunda da perda do senso de coletividade. Morreu de Covid na era de um governo genocida!

 

Homenagem de Danielli Jatobá

 

Quero humildemente prestar minha homenagem a uma pessoa incrível que fez sua passagem.

Conheci Seu Matias em dezembro. O encantamento que tive por ele e pela sua esposa Juka foi das maiores alegrias dos tempos de Pará. Lembro da gente conversando sobre as festas e brincadeiras, sobre a história do seu povo, sobre a língua, sobre todas as mudanças que tiveram que encarar.

Exímio flecheiro, orientava, junto com Seu Miriti, Boemi e Expedito, as corridas de varinha que acompanhei como parte da Festa do Peixe. Corredor, me mostrou imagens antigas da força e alegria dos corredores e corredoras Gavião. Seu nome é Hàraxàre, filho de Rõnore – “mamãe grande” – e sobrevivente da família Akrãtikatejê que resistiu até o último momento em Tucuruí. Irmão de Paiaré e Zeca Gavião, tio da cacique Kátia, pai de meninos fortes, era visivelmente um esteio da aldeia em que escolheu viver, a Krijõnherekatejê.

Guerreiro no melhor sentido da palavra. Disposto, preparado, atento e com uma visão certeira e crítica dos acontecimentos das últimas décadas que submeteram os Gavião do Pará a uma roda sem fim de negociações, violências e confrontos. Foi do grupo de proteção que garantiu a ocupação efetiva do território demarcado que lhes restou. Corajoso, flechou muito em defesa de seu povo e da integridade da TI. Hoje, guerreiro de frente na mobilização nacional indígena que acontece em Brasília. Tudo lastreado no poético costume de se encontrar para flechar que reúnem os mais velhos e mais velhas no Acampamento da sua aldeia. Arqueiro delicado, nos ensinou o quanto de conhecimento e território há numa flecha.

Estava muito dedicado a novidade de ser o professor da língua – m’pajarkwa – na escola de sua comunidade. Sábio, estava organizando um material de apoio belíssimo com ilustrações ricas em cores e em diversidade. Guardava as imagens da sua juventude filmadas por seus parceiros e outras feitas por ele mesmo. Um memorialista em todos os sentidos possíveis. Ver essas filmagens em sua companhia foi um presente que recebi da vida.

Ele me pediu umas leis e me fez perguntas que me preparei toda para responder. Estudei jurisprudência, pensei em como produzir com ele as estratégias que ele requeria. Sonhei com esse retorno, me isolei dedicadamente, organizei conteúdo para um tipo de planejamento e curso sobre direitos. Sonhava em voltar. Falei com ele por telefone na semana passada quando soube que estava internado para tratamento em Teresina. Complicações do Covid. E não resistiu.

Quero declarar que essa notícia foi das mais tristes que poderíamos ter recebido. Todos nós. Pois ele é uma perda para sua família, mas também para os Akrãtikatejê, para os Gavião e para todos os povos que lutam com e por dignidade.

Gostaria de estar lá agora pranteando junto com a sua família. Honro com minhas lágrimas a possibilidade de conhecer em vida uma pessoa tão amável, linda e forte. Meus pensamentos estão com Jokakure Juka , que perdeu seu companheiro de vida, depois de perder a mãe para a mesma doença. Toda força à família! Meus respeitos e sentimento.

FONTES

Foto em Destaque: Vincent Carelli

Fostos da Galeria: Vincent Carelli; Arquivo Pessoal da família de Hàraxàre Krokti; (IDEM); Danielli Jatobá; Arquivo Pessoal da família de Hàraxàre Krokti; (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); Danielli Jatobá.

 Colaboração: Letícia Silva e Pires, graduanda em Ciências Sociais (UFMG).

Ahkïto, 110.

Tukano

Texto escrito por Duhigó (Daiara Tukano), neta de seu Ahkïto.

 

Meu bisavô Erëmiri – João Sampaio – patriarca do clã Erëmiri Ahûsiro Paramera do povo Yepá Mahsã – Tukano, nasceu por volta de 1850 no rio Tiquiê, fronteira entre Brasil e Colômbia, muito jovem foi levado pelos comerciantes de borracha para os quais trabalhou por 30 anos remando pelas regiões de Barcelos até a Venezuela. Testemunhou um período difícil, em que o império da borracha promoveu o trabalho escravo indígena nos seringais e piaçabais, muitos parentes era seu levados pelos seringueiros a trabalhar em lugares distantes, enfrentando muita violência e morrendo de malária. Erëmiri foi resgatado pelas lideranças da Aldeia Esteio Igarapé no rio Tiquiê, no Distrito de Pari Cachoeira. Foi lá que nasceu meu avô Ahkïto, Casimiro Lobo Sampaio dia 26 de julho de 1910.

Os seringalistas estimulavam os conflitos políticos entre os povos da região, manipulando os clãs maiores para que estes vendessem pessoas dos clãs menores ao trabalho escravo da borracha. Diante desses conflitos, Erëmiri e Ahkïto saíram de Esteio Igarapé para fundar em 1927 a aldeia São Francisco, no rio Tiquié e se organizar contra o tráfico de escravos e o assédio das missões.

O ciclo da borracha, conhecido como “Belle époque amazônica” entre 1890 a 1920, fez de Manaus uma cidade Governada por magnatas cuja fortuna era regada à sangue da escravidão indígena. O desenvolvimento econômico provocado pela revolução industrial impulsionou o comercio da borracha na região amazônica que supria 40% da demanda mundial.

1910 foi o mesmo ano da fundação do Serviço de Proteção ao Índio SPI pelo marechal Rondon e da criação da Prefeitura apostólica do Rio Negro, que foi confiada em 1914 pela Santa Sé à Ordem Salesiana para o projeto expansionista da igreja católica na Amazônia como projeto “civilizatório”.
O código civil de 1916 proclamou os índios relativamente incapazes. No mesmo ano foi fundada a missão salesiana de São Gabriel da Cachoeira, marcando o inicio do processo de aldeamento das populações indígenas ao redor das igrejas, que foram construídas estrategicamente nos lugares sagrados de encontros tradicionais milenares dos povos da região.

A ordem Salesiana proibiu as Malokas, casas comunais, onde eram praticadas as cerimonias tradicionais de dabacuri e jurupari, que foram consideradas por eles como espaços insalubres e pecaminosos “casas do diabo”. As malokas foram derrubadas e as famílias foram divididas em pequenos casebres ao redor das igrejas e dos internatos.

Os religiosos católicos perseguiram os pajés, proibiam as cerimonias tradicionais e retiravam ou destruíam os objetos sagrados. Erëmiri foi defensor das tradições e preferiu jogar seu colar de pedra e demais objetos de cerimônia no rio em vez de entregá-los aos salesianos.

A missão salesiana ajudou a combater o regime de escravidão e as violências praticadas pelos gestores do SPI na época, até hoje lembrados por crimes hediondos, como o português Manduca, que dirigiu uma prisão onde indígenas “revoltosos” ou “fugitivos” eram acorrentados nas pedras, torturados, e as mulheres colocadas em fileira para ser estupradas à beira do rio. Manduca foi expulso pelos missionários que instalaram próximo ao posto do SPI o internato de Taracuá encima da pegada do gigante, um dos sítios mais sagrados de nosso povo.

Os internatos gigantescos construídos com mão de obra indígena ofereciam ensino elementar até a 4a série. As crianças eram levadas aos internatos em regime fechado a partir dos seis anos de idade para receber educação básica, aprender a ler e escrever, fazer cálculo. Ensinar marcenaria e construção aos meninos e Costura e fazeres domésticos às meninas. As línguas indígenas eram proibidas sob pena de punição severa. Doenças como gripe, malária, catapora e tuberculose eram frequentes e as crianças maiores eram responsáveis por enterrar aqueles que não sobreviviam longe de suas famílias.

Como jovem liderança tradicional, Ahkïto foi convidado aos quinze anos de idade para trabalhar para os missionários: visitando as comunidades a remo e ajudando no diálogo e na tradução. Erëmiri falava bem português e língua geral, mas não sabia ler e escrever, por isso pediu ao seu filho Ahkïto que estudasse na missão salesiana de Pari Cachoeira que foi fundada em 1938.

Ahkïto foi aluno da segunda turma de Pari Cachoeira, seus professores eram europeus, espanhóis, franceses e italianos, ex-militares ou sobreviventes e fugitivos da primeira guerra mundial, que chegaram na Amazônia como missionários para exorcizar seus próprios demônios mas acabaram demonizando e combatendo as culturas indígenas da região. Casimiro foi um dos melhores alunos, um grande leitor, escritor, como intelectual aprendeu os cantos e cerimonias tradicionais, tornando-se militante defensor da cultura Tukano.

Casou-se com minha avó Diakarapó – Guilhermina Sampaio, de família tradicional Desana, por quem foi muito apaixonado e com quem muitos filhos e filhas.

Meu pai Doéthiro – Alvaro Sampaio nasceu em 1953 na Aldeia São Francisco, desde pequeno foi educado no conhecimento tradicional pessoalmente por seu avô Erëmiri, e quando completou doze anos foi levado por seu pai Ahkïto para estudar no internato de Pari Cachoeira. Seguiu a veia intelectual da família, sendo um dos melhores alunos, tornando-se professor e inclusive sendo convidado a ser seminarista. Ao completar a maioridade prestou serviço militar trabalhando como ajudante da enfermaria e testemunhou as violências sofridas pela população indígena da região. Ao terminar seu serviço decidiu estudar medicina e recebeu apoio para viajar ao Maranhão para realizar seu sonho.

Saindo da região do Rio Negro entendeu que o genocídio dos povos indígenas era uma realidade em toda a região amazônica e no Brasil. Tornou-se militante na defesa dos direitos indígenas, estimulado por seu pai Ahkïto a defender nossos povos e culturas tradicionais. Por isso em 1980 foi ao tribunal internacional Bertrand Russel em Rotterdam, unto com seu companheiro Mário Juruna para denunciar a Igreja Católica e a Missão Salesiana pelo crime de genocídio e etnocídio cultural dos povos do Alto Rio Negro. Doéthiro se apresentou como testemunha no processo que julgou a missão Salesiana culpada, criando grande constrangimento internacional. O tribunal de Rotterdam resultou na retirada do apoio financeiro da Santa Sé aos internatos salesianos, que foram transformados em escolas comuns.

A denuncia sobre as violações aos direitos humanos dos povos indígenas causou grandes conflitos políticos no Rio Negro, em particular contra nossas famílias que foram ameaçadas, difamadas e perseguidas pelos padres que impediram meus tios de prosseguir com seus estudos.

Ahkïto decidiu sair da aldeia São Francisco e fundou junto com Doéthiro a aldeia Balaio em 1975, próxima ao município de São Gabriel da Cachoeira, para reorganizar um recomeço para revalorizar as tradições que foram combatidas pelos missionários.

Durante a década de 1980 Ahkïto participou ativamente de todas as reuniões que resultaram na criação das organizações indígenas do Alto Rio Negro. Doéthiro se dedicou à articular a formação do movimento indígena brasileiro, participando ativamente das reuniões de lideranças indígenas, sendo um dos primeiros presidentes da União das Nações Indígenas e coordenando junto com lideranças de outros povos a construção dos direitos indígenas promulgados pela constituinte de 1988.

Doéthiro permaneceu em Brasília desde a constituinte lutando pela demarcação da Terra Indígena Balaio que foi homologada em 2009, som a orientação de seu pai Ahkïto deu continuidade aos estudos dos conhecimentos tradicionais, escrevendo juntos a história de nosso Clã e de nosso povo.

Ahkïto, Kumu, rezador e Bayá, mestre de cerimônia, grande musico, intelectual, historiador educou seus filhos e netos para se tornarem professores, mestres de saberes e defensores dos direitos indígenas e de nossas tradições. Testemunhou a criação e o fim dos internatos salesianos, a primeira e segunda guerra mundial, a ditadura militar e os crimes do SPI, participou da criação do movimento indígena no Rio Negro e acompanhou o processo constituinte. Colaborou com muitos pesquisadores e universidades para manter viva a cultura do povo Yepá Mahsã inspirando gerações.

Extremamente lúcido aos 110 anos ainda ensinava seus filhos sobre as historias antigas da criação do povo Yepá Mahsã Tukano, cantava, rezava, tocava cariçu, dava conselho e contava piada.

Como curandeiro salvou muitas vidas. Conhecedor das rezas e das plantas medicinais enfrentou a primeira onda de Covid19 aos 110 anos de idade, rezando e curando muitas pessoas de sua comunidade.

Ahkïto faleceu de Covid19 dia 6 de novembro de 2020 as 16h na aldeia que fundou. Partiu deixando um legado de amor, humildade, dignidade, dedicação e defesa da liberdade. Nos confiou a missão de reconstruir as Malokas e manter vivas as tradições.

Seu espírito pegou a canoa até a Maloka do céu para se encontrar com seu pai Erëmiri, sua esposa Diakarapó e demais familiares. O céu esta em festa recebendo Ahkïto num grande dabacuri.

É com enorme sentimento de gratidão à vida e memória de meu avô que compartilho um pouco da historia de nossa família, para que as gerações seguintes possamos continuar reunidas seguindo a cultivar os sonhos de nossos avôs e sigamos remando na canoa da transformação.

Añû.

FONTES

Foto em Destaque: Arquivo pessoal de Daiara Tukano.

Fotos da Galeria: Instituto Socioambiental (ISA); (IDEM); (IDEM); (IDEM); Daiara Tukano; (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM).

Homenagem publicada em Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/ahkito-vida-e-luta-de-um-mestre-yepa-mahsa/

Colaboração: Felipe Milanez – Jornalista, UFBA  (Salvador/ BA).

Gerson Souza Melo, 58

Pataxó Hãhãhãe

Biografia construída por Jurema Machado, professora do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí)*

 

Uma das mais longas e árduas lutas territoriais dos povos indígenas no Brasil, a retomada da terra Indígena Caramuru Paraguaçu, na Bahia, perdeu um de seus maiores líderes, Gerson Souza Melo, vítima da Covid-19. A tragédia chega a um momento onde a epidemia está falsamente controlada no Brasil, mas ainda não somente muito mortal, como provocando impactos profundos nos povos indígenas. Gerson Pataxó deixa um legado de luta que entra para a história.

O que constitui um grande líder indígena? A sua capacidade de entrega na luta? O conhecimento detido da cultura, da tradição e do território? A preocupação com o registro da história do seu povo? A articulação com outros povos e outras lutas? Pois Gerson Pataxó tinha todas estas características, e mais a permanência constante junto a seu povo e o acompanhamento incessante dos acontecimentos que ocorrem cotidianamente em suas comunidades.

Certos acontecimentos, que muitas vezes possam passar despercebidos, e serem, supostamente, de âmbito estritamente doméstico, podem provocar alterações profundas na vida dos povos. Um líder precisa ser vigilante. E foi em uma dessas situações, em mais de 20 anos de relação com os povos indígenas, que conheci Gerson Souza Melo, em maio de 1999, na sede do Ministério Público Federal, na cidade de Ilhéus, sul da Bahia. Meses antes, Gerson se encontrava muito atento às transformações que a saúde indígena vinha sofrendo com a “Lei Arouca” (nº 9.836/99), e promoveu, junto a outras lideranças do povo Pataxó Hãhãhãi, um diagnóstico de saúde das três aldeias (Caramuru, Bahetá e Panelão), que então compunham partes da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu. Em função desse diagnóstico, Gerson e a comunidade tiveram dimensão da grande quantidade de mulheres esterilizadas nas comunidades, e a partir daí teve início um processo que trouxe alterações profundas na organização sócio política do povo Pataxó Hãhãhãi e reorientou a luta pelo território.

Esse nosso primeiro encontro na sede do MPF ocorreu em função dos depoimentos de algumas das mulheres esterilizadas no contexto de campanha política. Eu ambicionava pesquisar o ocorrido para a monografia de conclusão do meu bacharelado em Ciências Sociais, na Universidade Federal da Bahia. Como um grande líder, Gerson reconheceu que aquele meu interesse poderia fortalecer as denúncias e passamos dois dias conversando e combinando como poderia ocorrer a pesquisa. Ele era muito entusiasta das pesquisas e pesquisadores, incentivava e apoiava que os parentes muito estudassem e se tornassem cientistas, professores, médicos e historiadores do seu povo. Certa vez, permaneceu dias no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, selecionando e lendo documentos do então Serviço de Proteção aos Índios sobre a Reserva Caramuru-Catarina Paraguaçu, interesse que despertou à equipe do Museu a publicação de um livro com textos analíticos sobre a documentação e resumos de todos os documentos. Era mais uma importante peça conquistada para comprovar o direito de seu povo à terra que reivindicava.

Gerson era do povo Pataxó Hãhãhãi, mas seu troco velho, sua etnia, como ele mesmo enfatizava, era Kariri-sapuyá. Família pela qual tinha muito orgulho e engendrava esforços para unir e registrar a trajetória, desde Pedra Branca, no Recôncavo da Bahia, até a Reserva Caramuru-Paraguaçu, conduzida pelo etnólogo Curt Nimuendaju, lá pelos idos de 1937.  Seu respeito pelos mais velhos e pela luta e persistência ancestral garantiram a ele a “voz da tradição”, qualidade que os Pataxó Hãhãhãi costumam referir a quem “sabe contar as histórias”, a quem “escutou os mais velhos”. Foi Gerson Souza Melo e sua prima, Ilza Rodrigues, hoje também cacique, que esforçaram-se para me fazer compreender o que seria a organização social que utiliza etnônimo englobante (Pataxó Hãhãhãi), mas que aciona a ênfase em etnias (Tupinambá, Gueren, Kariri-Sapuyá, Kamacã, Hãhãhãi, Baenã) por famílias ou famílias por etnias para marcar ações de luta – como as retomadas.

Olympio Serra certa vez fez uma analogia ao equivalente ocidental, sobre o papel desempenhado por Gerson junto ao seu povo, que seria algo como “primeiro-ministro”, ou alguém que está dentro e está fora, também, no papel de representação. Papel esse que obteve justo reconhecimento externo ao ser homenageado com o Prêmio de Direitos Humanos, ainda no ano 2000. A dor sentida por estar em Brasília, na companhia do primo Galdino Jesus dos Santos, quando este foi assassinado, em 1997, queimado vivo em Brasília, acentuou seu senso de justiça e pressão sobre o Estado Brasileiro. Ele por vezes narrava sobre os tensos encontros com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que sempre fazia certas ironias com as lideranças indígenas, sugerindo que cada líder só estaria interessado na demarcação de seu território. Certa vez, Gerson escutou dele “você só quer a demarcação dos Pataxó?”, no que ele retrucou, “o senhor precisa respeitar os índios do Brasil”.

“Eu vi a luta desde pequeno”, dizia ele. Desses tempos de pequeno guardava na memória, a reunião dos parentes na casa de seus pais, ambos já falecidos, Egídia Trajano e Diogo Souza Melo, estrategicamente escolhida para ser o local de encontro do Grupo Luta pela Terra, criado em 1974, quando Gerson tinha ainda 12 anos de idade. Cresceu, também, tendo muita consciência que a luta dos índios é possível e resistente porque dela participa um conjunto de seres encantados, humanos e não humanos. Não deixava de referir ao tio, irmão de Egídia, que envultava, aparecia e sumia, como uma forma de confundir o inimigo. Da sua convivência e parentesco com outros líderes mais velhos, a exemplo de Samado Santos e Desidério dos Santos, foi crescendo e entendendo a história que carregava e que ajudaria a construir.

O povo Pataxó Hãhãhãi muito se orgulha que sua luta para recuperar o território não tenha beneficiado apenas os indígenas. A cidade de Pau Brasil, por exemplo, uma das quais está localizada a terra indígena, foi fortemente impactada positivamente com a conquista dos índios, sua economia cresceu, o comércio prosperou e as relações interétnicas foram apaziguadas. Apesar do forte sentimento anti-indígena que predominou por décadas no município, os indígenas sempre pensaram em Pau Brasil como um lugar de circulação e presença deles, também, e talvez por isso tenham se preocupado, desde o final dos anos 1980, com a política local e como ela poderia lhes afetar. A criação do Partido dos Trabalhadores naquela cidade foi protagonizada pelos Pataxó Hãhãhãi, e nele fizeram vereadores, a exemplo do próprio Gerson.

A violência e perseguição imposta pelos inimigos lhe rendeu uma vida marcada pelas ameaças de assassinato e criminalização. Ele conseguiu escapar de dois cercos de pistoleiros que atiraram contra o carro em que se encontrava, e sobreviveu também a um sequestro orquestrado pelos mesmos inimigos, que lhe ofereciam terras e gado em troca da sua saída da luta e liderança do povo Pataxó Hãhãhãi.

Em novembro de 1999, em viagem de retorno a aldeia, após participarem de uma sessão especial na Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador, Gerson e suas primas, Ilza Rodrigues e Margarida Rocha, foram surpreendidos com a interrupção da viagem no posto da Polícia Rodoviária Federal, em Itabuna. Lá estavam policiais militares do 150 Batalhão que prenderam Gerson, sob mandado do juiz da Comarca de Pau Brasil, Antônio Cândido Garcia de Oliveira. A acusação que pesava sobre ele era a de uma suposta tentativa de homicídio a um fazendeiro, em 1994. Surpreendentemente, ao interpor mandado para o pedido de Habeas Corpus, a FUNAI se deu conta de que o pedido fora expedido às 7:15 da manhã, enquanto a prisão havia sido efetuada às 6:00. O MPF conseguiu que Gerson permanecesse custodiado pela Polícia Federal, em Ilhéus, mas nem ele, e nem eu, nos recordamos de quantos dias ficou encarcerado. Talvez quatro ou cinco dias. Após essa, ele enfrentou ainda outras tentativas de criminalização de sua luta.

Mas, em contexto de genocídio, os indígenas que conseguem sobreviver aos conflitos, podem não sobreviver aos impactos de uma nova doença e ao descaso com a saúde indígena por parte de um governo racista e por si só, adoecedor. Gerson, que nasceu em 12 de janeiro de 1962, cresceu em Pau Brasil vendo a terra do seu povo invadida, mas acompanhando a determinação de seus mais velhos em reavê-las. Ele, que lutou o bom combate para sua reconquista e pôde comemorar a expulsão de cada invasor e algoz da sua terra, não resistiu aos efeitos da Covid, uma pandemia que no Brasil se fortalece com contornos mais sofisticados de descaso e crueldade.

Nesses mais de 20 anos de amizade e relação, falamos em medos, expectativas, certezas, tristezas e muitos planos, mas nunca falamos em morte. Muito embora sempre fosse uma certeza, obviamente, especialmente quando víamos a partida de tantos mais velhos, achávamos que a dele, e a minha, não seria para tão cedo. Desses seus muitos planos, estava a construção de um memorial indígena no Caramuru, que abrigasse tanto os documentos e objetos de memória do povo Pataxó Hãhãhãi, bem como, as duas urnas funerárias que foram retiradas para estudo, do sítio arqueológico Água Vermelha, uma das regiões da terra indígena Caramuru-Paraguaçu.

Gerson foi a primeira liderança indígena que me aproximei, e foi em casa sua, de Selma — sua esposa — e de seus quatro filhos — e agora sete netos — que, em julho de 1999, vivenciei a minha primeira experiência de trabalho de campo. Eles têm uma importância imensa na minha formação como antropóloga e como pessoa, pois mais da metade da minha vida é de conhecimento com eles.

No dia de sua morte, 15 de outubro de 2020, muito impactada pela surpresa do acontecimento e avassaladora tristeza, escutei de uma amiga a sugestão que colocasse a tristeza para fora escrevendo um conto que entrelaçasse a casa de Gerson como um lugar de potência para mim, e a casa de Egídia com o um lugar de potência para os Pataxó Hãhãhãi. Não sei se sou capaz disso, mas quero registrar aqui o quanto uma casa é abrigo. Gerson morreu de forma muito precoce, mas agora estará sempre em casa, como preconizaram seus antepassados.

* Publicado originalmente em “Pensar la Pandemia – Observatorio Social del Coronavirus”. Artículo enviado por el Grupo de Trabajo CLACSO Ecologías políticas desde el Sur/Abya Yala.

Vejam um pequeno vídeo do cortejo fúnebre: https://www.facebook.com/wagner.galo.5/videos/371994974154000

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução//Arquivo Pessoal (Via Jurema Machado)

Fotos da Galeria: Reprodução//Arquivo Pessoal (Via Jurema Machado); (IDEM); (IDEM); Reprodução//Arquivo Pessoal (Via Página Facebook Gerson Pataxó); Reprodução//Arquivo Pessoal (Via Jurema Machado); (IDEM); Urbino Brito (Via Reprodução//Facebook de Valmir Assunção Lula da Silva); Antonio Cruz (Via EBC); Reprodução// Facebook de Olinda Yawar Muniz Wanderley; Antonio Cruz (Via EBC); Reprodução//Facebook de Luiz Carlos Lula Suíca; Reprodução//Facebook de Cláudio Magalhães Tupinambá; Antonio Cruz (Via EBC); Reprodução//Facebook de Josivaldo Dias; Reprodução//Facebook de Jurema Machado; Pintura de Arissana Pataxó.

CLACSO
https://www.clacso.org/gerson-souza-melo-cacique-dos-pataxo-hahahai-morre-por-covid-19/ 

Reprodução//Arquivo Pessoal (Via Página Facebook Gerson Pataxó)

https://www.facebook.com/gersonpataxo/photos/133687387079037

Urbino Brito (Via Reprodução//Facebook de Valmir Assunção Lula da Silva)

https://bityli.com/lJOph

Antonio Cruz (Via EBC)

http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/galeria/2003-02-14/14-de-fevereiro-de-2003

Reprodução// Facebook de Olinda Yawar Muniz Wanderley

https://bityli.com/liPh9

Reprodução//Facebook de Luiz Carlos Lula Suíca

https://bityli.com/37bVY

Reprodução//Facebook de Cláudio Magalhães Tupinambá

https://bityli.com/k1FdV

Reprodução//Facebook de Josivaldo Dias

https://bityli.com/rcyuz

Colaboração: Felipe Milanez  (Jornalista, UFBA – Salvador/ BA)

Raimundo Suruí, 54

Suruí Paiter

Raimundo Suruí, 54 anos, pertencente ao povo indígena Paiter Suruí. Vivia junto de seu povo Paiter, que significa “gente de verdade, nós mesmos”, na Terra Indígena (TI) Sete de Setembro, banhada pela bacia do rio Branco, Rondônia. Atuava como Agente Indígena de Saúde (AIS) da aldeia Lapetanha, em uma das três Unidades destinadas ao cuidado em saúde na TI.

Raimundo faleceu em agosto de 2020, mesmo mês em que também faleceram seus parentes Iabibi Suruí, Renato Suruí e Fábio Suruí. Integrantes do Distrito Sanitário Especial Indígena reforçaram o quanto Raimundo foi “um guerreiro” e “importante membro” para sua comunidade.

FONTES

Foto em Destaque: O Rondoniense
Fostos da Galeria: O Rondoniense; Reprodução//Facebook Página “Os Paiter Suruí”; Reprodução//Facebook Página “Associação Metareilá”.

O Rondoniense

Disponível em: https://orondoniense.com.br/mais-um-indigena-da-etnia-paiter-surui-morre-por-covid-19/. Acesso em: 17 de outubro de 2020.

Os Paiter Suruí

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/posts/815554928982787 

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/photos/a.498931783978438/815772918960988

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/photos/a.498931783978438/815773012294312

Associação Metareilá
https://www.facebook.com/paitersurui/posts/3404476932951041 

 

Colaboração: Érica Dumont / Enfermagem e FIEI – FaE, UFMG – Belo Horizonte/MG.